Ao relatar sua atuação na crise no Amazonas, a secretária do Ministério da Saúde Mayra Pinheiro disse ter encontrado uma situação caótica quando chegou a Manaus, no dia 3 de janeiro. Aos integrantes da CPI, ela afirmou, nesta terça-feira (25), que nunca viu nada igual em 30 anos de carreira na medicina. Falando na qualidade de testemunha e tendo a seu favor um habeas corpus, ela eximiu o governo federal de responsabilidade no colapso no Amazonas, mas não convenceu o senador Eduardo Braga (MDB-AM).

Segundo a secretária, o estado não tinha controle e gerenciamento de crise, planejamento estratégico para o enfrentamento da doença e, nas unidades básicas de saúde, não havia triagem de pacientes que chegavam com covid e eram misturados com outros doentes.

— Não tinha testes para isolar as pessoas com a doença para que não houvesse novos contaminados. E o que me causou mais estranheza é que mais de 1,2 mil agentes de saúde  foram dispensados de suas atividades — afirmou, respondendo ao relator, senador Renan Calheiros (MDB-AL).

Diante das explicações da secretária, o senador Eduardo Braga questionou:

— Como que uma técnica com este nível de formação, com toda a assessoria do Ministério da Saúde presente em Manaus, vê um quadro desse e não identifica que haveria colapso por falta de oxigênio? Como? Ninguém vai me convencer de que vocês não tinham conhecimento, porque o caos estava lá, a olhos vistos. A solução estava ali do lado e não conseguiram resolver — afirmou o senador, o qual também observou que a médica não tem nenhuma publicação na área de medicamentos e, mesmo assim, se contrapôs aos pareceres científicos internacionais.

Mayra Pinheiro disse que não foi informada pelas autoridades de saúde locais sobre o risco de desabastecimento de oxigênio hospitalar para os pacientes. A médica afirmou que esteve em Manaus de 3 a 5 de janeiro e disse acreditar que o ex-ministro Eduardo Pazuello só soube da escassez no dia 8. À CPI, no entanto, o general havia informado que só teve conhecimento na noite do dia 10.

Ainda segundo Mayra Pinheiro, não seria possível previamente calcular quanto de oxigênio seria necessário para suprir a população visto que não se tinha ideia da chegada de novos pacientes.

— É possível fazer isso quando nós estamos em estado de normalidade, habitual. Eu sou intensivista, trabalho com uma UTI que tem dez leitos, eu consigo saber que cada um daqueles leitos tem que ter uma provisão de oxigênio e ar comprimido. Em Manaus, numa situação extraordinária de caos, onde não temos noção de quantos pacientes vão chegar ao hospital, é impossível fazer uma previsão de quanto será usado a mais — declarou.

TrateCov

A secretária também teve de dar explicações sobre a criação do aplicativo TrateCov, que teria o objetivo de auxiliar no diagnóstico de covid-19. Mayra disse que foram técnicos da secretaria da qual ela é chefe os responsáveis pelo desenvolvimento da plataforma, que é similar a outras já existentes e usadas pela medicina no Brasil e em outros países. Segundo ela, foi apresentado um protótipo, no dia 11 de janeiro, em Manaus, mas o sistema não chegou a ser lançado. Diferentemente do que foi dito pelo ex-ministro Eduardo Pazuello, Mayra informou que o dispositivo não foi hackeado.

“Foi feita uma extração indevida por um jornalista, que fez uma cópia da capa inicial dessa plataforma, abrigou nas redes sociais dele e começou a fazer simulações fora de qualquer contexto epidemiológico. Isso causou prejuízos à sociedade porque essa ferramenta poderia ter salvado muitas vidas em auxílio aos testes diagnósticos. A ordem do ministro quando nós soubemos, através da imprensa, do uso indevido, foi retirar a plataforma do ar”, afirmou.

Ainda segundo a secretária, o aplicativo não sofreu alteração ou teve o funcionamento alterado, o que chamou atenção do presidente da CPi, senador Omar Aziz (MDB-MA):

“Não houve hackeamento nenhum. A senhora disse aqui que não houve nenhuma mudança no protocolo. Então por que retirar do ar? Se a senhora tinha tanta certeza de que ia salvar vidas, por que vocês não devolveram e salvaram as vidas que foram perdidas no Amazonas?, questionou.

A médica respondeu que havia grande insegurança na época e era necessário fazer a investigação relativa à extração de dados.

Habeas Corpus

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) quis saber por que a médica entrou com pedido no Supremo Tribunal Federal (STF) para ter o direito de ficar calada diante da CPI. O direito de permanecer em silêncio lhe foi garantido sobre fatos ocorridos entre dezembro de 2020 e janeiro de 2021, período que coincide com a crise de falta de oxigênio nas UTIs de Manaus.

Mayra Pinheiro disse que a intenção dela foi apenas se proteger e para garantir que seria tratada com respeito:

“A questão do habeas corpus foi para pedir o respeito porque eu assisti, da minha casa, os depoimentos anteriores e vi depoentes, que são simples testemunhas, sendo tratados como réus. Então, pedi a proteção, porque achei indigno o tratamento que eles receberam aqui”, ressaltou

Ainda indagada por Randolfe, a médica também confirmou áudio seu em que dizia a colegas que a Fiocruz tinha “um pênis na porta”. O senador rebateu dizendo que a Fiocruz é uma instituição com mais de 100 anos, das mais respeitadas do país, responsável pela produção de milhões de vacinas. Já o senador Rogério Carvalho (PT-SE) informou que o símbolo confundido com um pênis nada mais seria do que o logotipo da Fundação Oswaldo Cruz.

Teoria conspiratória

Ao responder ao senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), Mayra Pinheiro negou ter presenciado reuniões no âmbito do Ministério com pessoas alheias à pasta. Além disso, a médica não mencionou em que estudos se embasou para promover o “tratamento precoce”. O senador salientou que as declarações da médica, assim como a de outros depoentes e políticos, pressupõem uma teoria conspiratória, um grande complô “pela doença”, que necessariamente incluiria os laboratórios e maiores instituições científicas e médicas de todo o mundo — já que, ao contrário do que se esperava no início da pandemia, os estudos não demonstraram que a cloroquina teria efeito contra a covid-19.

“Pedi ajuda ao Dr. Paulo Ricardo Martins Filho, da Universidade Federal de Sergipe, que é mestre e doutor em Ciências da Saúde especializado na questão de epidemiologia. Ele coordena a disciplina de Revisão Sistemática e Meta-Análise. O Prof. Paulo me encaminhou aqui a análise de 2.871 estudos nas bases disponíveis pelo mundo — PubMed, Embase, todas elas —, e estabeleceu os critérios de filtro para tentar encontrar ensaios que fossem qualificados como de excelência. (…) Desses 2.871 estudos que ele analisou nessas bases todas, internacionais e nacionais, foram encontrados 14 estudos com essas características, as características de excelência [randomizados e com “duplo-cego”] na qualidade como evidência. Desses, absolutamente nenhum indica benefício no uso de medicamentos como a hidroxicloroquina “, disse Alessandro Vieira, observando que o uso de medicamentos off-label não poderiam orientar toda a política pública de saúde e o atendimentopor meio do SUS.

A médica reconheceu  não existirem estudos de primeira linha para comprovar o uso dos medicamentos que tem promovido.

“Nós não temos ainda estudos atualmente no topo da pirâmide. Nós estamos diante de uma pandemia” afirmou, argumentando que são estudos demorados.

Ainda questionada por Vieira, Mayra Pinheiro se disse favorável ao isolamento social, ao uso de máscaras, higiene das mãos e vacinação em massa para combater a pandemia de covid-19.

“Concordo com o senhor “, disse a secretária, que também negou apoiar a chamada “imunidade de rebanho” pela disseminação do vírus em grandes populações.

O líder do governo, senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), elogiou o depoimento da médica, que a seu ver desmontou a “narrativa da oposição”. Para ele, Mayra Pinheiro confirmou que o governo fez tudo que esteve a seu alcance para combater a pandemia. Além disso, afirmou que a vacinação no país ocorre em bom ritmo e que a chance de uma “terceira onda” de covid-19 é reduzida. Também o senador Luis Carlos Heinze (PP-RS) elogiou a participação da médica na CPI e voltou a defender o chamado “tratamento precoce”, com o uso de hidroxicloroquina. Afirmou que os grandes fabricantes de vacinas financiaram um dos estudos contrários ao uso do medicamento.

 

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