Em visita ao Brasil, o ministro das Relações Exteriores da Argentina, Felipe Solá, afirmou que as “atitudes hostis” do Brasil “mataram o debate” no Mercosul.

“Toda ideia conjunta sobre o futuro do Mercosul está em dúvida, basicamente pelo Brasil, e em menor medida pelo Uruguai”, disse o ministro ao jornal O Globo na segunda-feira (19).

A principal divergência no bloco no momento é a defesa do Brasil de uma redução de 10% da Tarifa Externa Comum (TEC), que taxa produtos de fora do Mercado Comum do Sul.

Para entender se o futuro do Mercosul está mesmo em jogo e por que o Brasil quer reduzir a TEC, a Sputnik Brasil conversou com Vinícius Rodrigues Vieira, doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Oxford, Reino Unido, e professor de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Tensão estrutural

O Brasil quer flexibilizar as atuais regras do bloco, que possui algumas das tarifas mais altas do mundo, como a proibição de que um dos membros negocie individualmente tratados de livre comércio com outros países e blocos. O Mercosul é composto por Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela, que atualmente se encontra suspensa.

Vinícius Rodrigues explica que o bloco possui uma tensão estrutural por causa da TEC.

“Qual é o grande problema? Muitos países, principalmente o Brasil e o Uruguai, com governos mais à direita, não estão contentes com a atual estrutura do Mercosul. Porque se um bloco comercial tem uma TEC, quando ele faz negociações com outros países, todos os países do bloco têm que baixar a tarifa no mesmo nível. A existência da TEC impossibilita que o Brasil sozinho faça um acordo comercial com outro país”, comenta.

O especialista recorda que essa foi uma das razões para que o acordo Mercosul-União Europeia tenha demorado tanto tempo. Em cada tópico, os países do Mercosul precisavam se coordenar e encontrar um denominador comum, “o que é muito difícil, visto que são economias muito diferentes entre si. Portanto, os acordos que o Brasil e o Mercosul têm são pouco ambiciosos porque alguém sempre quer uma exceção”.

Além disso, o especialista recorda que existe a tensão política entre governos mais à esquerda e governos mais à direita.

“Não importa quem esteja no poder, essa tensão surge de tempos em tempos. Mas normalmente quem quer acabar com a estrutura do mercado comum e com essa estrutura protecionista comum, que a TEC, são os governos à direita. O [ex-presidente argentino Mauricio] Macri, por exemplo, dava declarações nessa linha. Já os governos mais à esquerda, que tendem a ser mais protecionistas, e mais a favor da integração regional, tentam se sustentar em torno da TEC para manter o Mercosul ativo e, eventualmente, expandi-lo no futuro. O que, infelizmente, é algo pouco provável, haja vista o alto nível de tensão entre os membros do bloco”.

Flexibilização da TEC seria ruim para o Brasil

De acordo com o ministro argentino Felipe Solá, o ministro da Economia brasileiro, Paulo Guedes, quer reduzir a TEC para tentar baixar os preços dos produtos importados para que os produtores brasileiros sejam obrigados a baixar os seus preços.

Vinícius Rodrigues acredita que flexibilizar a TEC é, na prática, acabar com o mercado comum, o que enfraqueceria politicamente todos os países do bloco. Com essa resolução teríamos uma zona de livre comércio parecida com o Acordo EUA-México-Canadá (USMCA, na sigla em inglês), antigo Tratado Norte-Americano de Livre-Comércio (NAFTA, na sigla em inglês), onde cada país tem a sua própria tarifa externa e pode negociar acordos com quem bem entender, mas evitam tarifas entre eles mesmos.

“Flexibilizar a TEC pode ser muito bom para a Argentina, se ela quiser fazer acordos com economias asiáticas, por exemplo, embora não me pareça ser o caso agora do governo [de Alberto] Fernández. Essas economias asiáticas são muito fortes em manufaturas e indústria, então o maior prejudicado seria o próprio Brasil. Hoje a nossa indústria, e boa parte dos setores de alto valor agregado, só sobrevive exportando porque exportam para a Argentina. Então o Brasil perde nessa flexibilização da TEC quando olha só para o que o país já é muito bom exportando para outros lugares, que é o caso agronegócio, mas o Mercosul dá uma reserva de mercado para o Brasil na área industrial, principalmente no mercado argentino”, explica o especialista.

A indústria brasileira seria a mais prejudicada com a saída do Brasil do Mercosul, garante o professor da FGV. Ele explica que a Federação das Indústrias do Estado São Paulo (Fiesp), que já foi muito forte em Brasília, perdeu espaço durante o governo Bolsonaro, sobretudo, porque o principal interlocutor entre a indústria brasileira e o governo federal, o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços foi extinto.

“Em suma, a indústria hoje tem menos capacidade de lobby do que deveria ter, até porque perdeu muito poder econômico, e, portanto, poder político com a ascensão de Jair Bolsonaro ao poder”, diz Vinícius Rodrigues.

O especialista reforça que acabar com o Mercosul implica o Brasil renunciar uma parcela significativa da indústria do país, e que o Brasil deveria ter em mente outras áreas “que não representem a captura da política externa pelo agronegócio, como parece ter sido o caso nos últimos anos com o presidente Bolsonaro”.

‘Ruim com ele, pior sem ele’

Vinícius Rodrigues comenta que a relação entre Brasil e Argentina no bloco é muito importante, comparando-a com a relevância que a Alemanha e França têm na União Europeia. E acrescenta que, apesar das divergências, não acredita que algo fundamental mude no bloco sul-americano no futuro próximo.

“Enquanto as divergências perdurarem, o Mercosul não vai nem para frente, nem para trás, ele vai permanecer onde está. O que não é ruim. Muitos criticam o Mercosul, mas ruim com ele, pior sem ele”, começa por explicar.

O especialista recorda que o Brasil assumiu a presidência do bloco recentemente, mas não vê muitas chances de grandes mudanças devido o contexto internacional.

‘Ruim com ele, pior sem ele’

Vinícius Rodrigues comenta que a relação entre Brasil e Argentina no bloco é muito importante, comparando-a com a relevância que a Alemanha e França têm na União Europeia. E acrescenta que, apesar das divergências, não acredita que algo fundamental mude no bloco sul-americano no futuro próximo.

“Enquanto as divergências perdurarem, o Mercosul não vai nem para frente, nem para trás, ele vai permanecer onde está. O que não é ruim. Muitos criticam o Mercosul, mas ruim com ele, pior sem ele”, começa por explicar.

O especialista recorda que o Brasil assumiu a presidência do bloco recentemente, mas não vê muitas chances de grandes mudanças devido o contexto internacional.

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