A revelação da advogada Bruna Morato de um susposto pacto da Prevent Senior com o Ministério da Economia para validar o chamado “tratamento precoce”, como forma de tentar evitar o lockdown, reforça a atuação do “gabinete paralelo” e do governo federal na defesa de medidas sem comprovação científica na pandemia e joga o foco sobre a atuação da pasta comandada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e da ANS. É o que apontou a maior parte dos senadores nesta terça-feira (28) durante a reunião da CPI da Pandemia.
Já senadores governistas consideram que o caso parece mais “uma teoria da conspiração”. Eles também criticaram a CPI por ouvir uma advogada sem saber quem são os seus médicos que fazem as acusações.
Para Humberto Costa (PT-PE), o objetivo desse “pacto” seria dar legitimidade a esse tratamento comprovadamente sem eficácia e “fazer com que as pessoas fossem para o meio da rua”. O senador apontou uma coincidência nas datas e afirmou que no dia da demissão do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, que havia feito críticas ao hospital comandado pela Prevent Senior em São Paulo, o Conselho Federal de Medicina (CFM) liberou a utilização do kit de “tratamento precoce” contra a covid-19.
Rogério Carvalho (PT-SE) apresentou um vídeo que apontaria as relações e conexões entre Pedro Batista Júnior, diretor-executivo da Prevent Senior e os médicos Paolo Zanotto e Nise Yamaguchi, com membros do governo e com o Conselho Federal de Medicina na busca de uma “fórmula milagrosa” para a sociedade “voltar ao trabalho”, mesmo com uma pandemia em curso. Ele defendeu a convocação de integrantes do Ministério da Economia.
“O que foi feito no Brasil foi uma ação criminosa na condução da pandemia. A Prevent Senior recebeu do governo autorização para matar”, disse Rogério.
Marcos do Val (Podemos-ES), por sua vez, pediu ponderação aos membros da CPI sobre as denúncias envolvendo a Prevent Senior e disse que o caso parece mais “uma teoria da conspiração”. Ele questionou o fato de a advogada Bruna Morato representar 12 médicos que acusam a operadora, enquanto 5 mil profissionais que exercem essa função ainda continuam ativos na rede. Ele se somou à Marcos Rogério (DEM-RO), que chegou a afirmar que a CPI deveria ouvir os médicos e não a advogada. Segundo ele, Bruna seria “uma testemunha por procuração”.
“Acho que é uma porcentagem muito pequena para a gente achar que a exceção é a regra. Porque não é possível que 5 mil médicos estariam em silêncio, compactuando com tudo isso que está sendo dito”, disse Marcos do Val.
O presidente da CPI, Omar aziz (PSD-AM) ressaltou que nenhum dos 5 mil profissionais de saúde vieram a público desmentir que foram obrigados a prescrever o kit covid e outras irregularidades apontadas pelos 12 médicos.
— As acusações que estão sendo feitas pelos médicos não são de forma nenhum desmentidas pelos profissionais de saúde que estão atuando nessas redes. Quem desmente são os proprietários da Prevent Senior — apontou Omar.
Pacto
Durante a reunião, Bruna Morato apontou que após tentativas frustradas de se aproximar do Ministério da Saúde então comandado por Luiz Henrique Mandetta, o diretor da Prevent Senior, Pedro benedito Batista Júnior, teria então buscado o Ministério da Economia para ajudar a evitar um lockdown nacional. A esperança tinha nome: hidroxicloroquina, disse a advogada Bruna Morato.
Sem êxito na aproximação com Mandetta, a Prevent Senior teria fechado uma “aliança” ou “pacto” com um conjunto de médicos que assessoravam o governo federal, “totalmente alinhados com o Ministério da Economia”. Entre os médicos estavam membros do chamado “gabinete paralelo”, como Nise Yamaguchi, Anthony Wong, Paolo Zanotto. Após a saída de Mandetta, eles ambém teriam atuado no Ministério da Saúde.
“Já existia um grupo de assessores médicos próximos ao governo que tinham informações até então científicas muito próximas aos interesses do Ministério da Economia, que era com relação ao país não precisar aderir ao lockdown. Segundo as informações que eu tive, a Prevent Senior entra pra corroborar com essa possibilidade, ou seja, a possibilidade de as pessoas se exporem mais ao vírus, cientes de que existe uma possível cura ou um possível tratamento que reduziria a letalidade, então elas teriam mais coragem. A expressão que eu ouvi dos médicos foi que aquilo seria uma “pílula de esperança””, denunciou Bruna, que ressalvou nunca ter ouvido o nome do ministro Paulo Guedes nas conversas.
Senadores chegaram a questionar a advogada sobre a razão pela qual os médicos por ela representados não procuraram o Conselho Federal de Medicina para denunciar as irregularidades.
“Esses médicos recebiam a informação de que o Conselho Federal de Medicina e de que o Cremesp, de São Paulo, ou seja o Conselho Regional de Medicina de São Paulo, teria relação com a empresa, de modo que eles tinham muito medo de levar essas denúncias ao Cremesp”, afirmou.
ANS
No depoimento, a advogada também afirmou que a empresa “tinha segurança” para realizar experimentos e elaborar estudos para corroborar o tratamento precoce. Bruna Morato é a responsável por ajudar médicos em um dossiê com denúncias envolvendo a empresa.
” A Prevent Senior tinha segurança que ela não sofreria fiscalização do Ministério da Saúde ou de outros órgãos vinculados ao Ministério da Saúde. Inclusive foi essa segurança que fez nascer neles o interesse de iniciar um protocolo experimental, cientes de que não seriam devidamente investigados ou averiguados pelo ministério”, disse a advogada.
O relator, Renan Calheiros (MDB-AL), apontou que documentos em posse da comissão jogam suspeita também sobre a ANS, a Agência Nacional de Saúde Suplementar, responsável por fiscalizar operadoras de saúde como a Prevent Senior.
“Há muitos documentos e comentários de que os diretores executivos da Prevent Senior quando sentiam alguma insatisfação de algum médico para pôr em prática o protocolo e aplicar o kit covid, eles diziam assim: “Olha, fica tranquilo que a ANS não chegará aqui, na Prevent Senior””, relatou Renan.
Ele e Omar Aziz (PSD-AM) defenderam a convocação pela CPI de um representante da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), responsável por regulamentar os planos de saúde no Brasil.
Cobaias
As denúncias incluem manipulação de dados, falta de transparência em relação aos pacientes e ocultação de mortes de pacientes que participaram de um estudo realizado para testar a eficácia da hidroxicloroquina, associada à azitromicina, para tratar a covid-19. Segundo Bruna Morato, a ordem para os médicos omitirem das declarações de óbito a covid-19 como causa de morte partiu da Diretoria-Executiva da Prevent Senior.
Para senadores, o depoimento reforça que a Prevent fez uso de “cobaias humanas” para experimentos de tratamento precoce contra a covid-19. Eliziane Gama (Cidadania-MA), Randolfe Rodrigues (Rede-AP) , Rogério Carvalho e Renan Calheiros compararam a situação com experimentos da Alemanha nazista e lembraram que o lema da empresa ‘’lealdade e obediência” eram as palavras de ordem da SS, a polícia nazista. A Prevent também contava com funcionários chamados de “guardiões”, médicos que seriam responsáveis por garantir que plantonistas seguissem as normas da Prevent e prescrevessem os medicamentos sem eficácia. De acordo com a advogada, médicos da Prevent Senior tinham que “cantar o hino dos guardiões com a mão no peito”.
“O governo tentou implantar a imunidade de rebanho, tentou implantar, por exemplo, a utilização de seres humanos como cobaia, seja de forma direta, no caso do Amazonas, ali com a implantação e a distribuição em massa de hidroxicloroquina, quando o povo e quando a sociedade estava precisando, por exemplo, de oxigênio. E aí também com o TrateCov, e agora terceirizado através da Prevent Senior, com a utilização de cobaias humanas, que não é exagero dizer que nos relembra o que a gente viveu e o que a gente acompanhou historicamente no caso dos experimentos, os mais macabros e bizarros, por exemplo, do nazismo, nos campos de concentração”, destacou Eliziane.
‘Kit covid’
Entre outros pontos, a advogada afirmou que os médicos do plano de saúde não tinham autonomia e que os pacientes recebiam um “kit covid” com “receita pronta” para tratamento da covid-19.
Para a depoente Bruna Morato, a Prevent Senior alterava a CID (Classificação Internacional de Doenças) no prontuário dos pacientes, retirando a menção à covid-19, “para que houvesse uma falsa sensação de sucesso em relação ao tratamento preventivo”.
Em seu depoimento, Pedro Batista Jr. chegou a admitir alteração da CID em prontuários médicos, mas negou as acusações contidas no dossiê, que classiicou de “fraudulento”. Para a advogada, o diretor da Prevent denunciou suposta violação de prontuários numa “tentativa desesperada de desconstruir a denúncia”.
A advogada dos médicos revelou que a operadora desaconselhou funcionários a usarem equipamentos de proteção individuais (EPIs) para não “criar uma sensação de pânico” nos pacientes da empresa que procurassem atendimento. Ainda segundo Bruna Morato, profissionais da Prevent trabalhavam normalmente mesmo após terem testado positivo para o novo coronavírus. Questionada pelo senador Humberto Costa (PT-PE), ela afirmou:
“As informações que me foram transmitidas são que, sim, médicos e enfermeiros trabalharam infectados”, disse Bruna Morato.
Diante da revelação, o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues, questionou de onde vinha a orientação para que os profissionais trabalhassem contaminados.
“A orientação, na verdade, era diante, acredito eu, da escassez do corpo clínico. Partindo da diretoria da Prevent Senior. Inclusive os superiores hierárquicos tinham essas informações’, acrescentou a advogada.
Paliativos
Senadores também questionaram a depoente sobre denúncias de recomendação de adoção de tratamento paliativo pela Prevent Senior para pacientes que não estavam em estado terminal. Bruna Morato disse que havia um “desvio de finalidade” para esse tipo de tratamento.
“As famílias não tinham conhecimento que o paliativo é você permitir ou você deixar que esse paciente evolua para óbito conectado com uma bomba de morfina ou a outros tratamentos sem a possibilidade de reação. Esses paciente eram viáveis e, se tratados, poderiam sobreviver”, afirmou Bruna.
Sigilo
Em resposta aos senadores Marcos Rogério e Marcos do Val, Randolfe Rodrigues (Rede-AP) esclareceu que Bruna Morato, como advogada, está respaldada pela OAB para expor as confidências feitas pelos clientes, desde que autorizada, e manter o sigilo profissional.
Marcos Rogério insistiu para que advogada entregasse os nomes dos médicos que denunciaram a Prevent Senior por testar medicamentos em pacientes sem consentimento ou autorização do Conselho de Ética.
“Não há como prestar clientes anônimos. A depoente diz representar 12 médicos em 5 mil e não sabemos quem são esses médicos”, criticou.
Marcos Rogério comparou a situação com a de outro depoente que compareceu à CPI: Túlio Silveira, advogado da Precisa Medicamentos. Mas Simone Tebet (MDB-MS) afirmou que são situações diferente: Túlio esteve na CPI como assessor jurídico da Precisa, e não como advogado.
“Túlio era um suspeito porque ele era um assessor técnico da Precisa, que, inclusive, tinha na logo da Precisa assinado e encaminhado e-mail pro governo, para o Ministério da Saúde”, apontou Simone.
Bruna Morato reforçou que o seu depoimento esta respaldado em documentação entregue à CPI.
Luciano Hang
Em resposta ao relator, Renan Calheiros (MDB-AL), Bruna Morato informou que teve acesso ao prontuário de Regina Hang, mãe do empresário Luciano Hang, e informou que o documento mostra que ela recebeu tratamento preventivo, mas não consta autorização expressa para tal. Por isso, ela não tem como saber se a família tinha conhecimento. Renan Calheiros lembrou que Luciano Hang gravou mensagem em redes sociais dizendo que a mãe não tinha recebido o tratamento precoce e que, se tivesse recebido, talvez estivesse viva.
A advogada revelou que o médico toxicologista Anthony Wong, que era defensor do “tratamento precoce”, ficou internado junto a pacientes com outras doenças numa unidade da rede Prevent Senior não específica para covid-19. Wong morreu em 15 de janeiro deste ano. Segundo denúncia da revista Piauí, a morte do especialista foi decorrente de complicações causadas pelo coronavírus, informação que não consta no atestado de óbito.
A reunião da CPI foi aberta com um pedido do líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), para que a CPI tenha isenção e imparcialidade nos trabalhos e no relatório final a ser votado. Segundo ele, o documento que está sendo elaborado pelo relator Renan Calheiros “não pode ter natureza de sentença”.