Michel Temer propôs referendo popular no Brasil para votar a escolha de um sistema semipresidencialista nos moldes portugueses. Em Lisboa, o ex-presidente foi o quarto sabatinado pela Sputnik em sua série de entrevistas exclusivas. O ex-presidente defende que o plebiscito seja já em 2022.
No entanto, apesar de coincidir com as eleições presidenciais do ano que vem, a consulta popular definiria a manutenção ou troca do sistema político apenas a partir de 2026, segundo sua proposta.
Consultado, Luis Felipe Salomão, ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que acabou de deixar o cargo de Corregedor-Geral do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), disse que a Justiça Eleitoral teria condições de realizar o referendo concomitante ao pleito para escolher o presidente, governadores, senadores e deputados.
“Acho perfeitamente possível, se houver consenso no Parlamento. É um plebiscito simples”, resumiu Salomão.
Na Câmara, já há uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Semipresidencialismo, protocolada pelo deputado federal Samuel Moreira (PSDB-MG) em 2020. O tema foi ressuscitado recentemente e ecoado no IX Fórum Jurídico de Lisboa, organizado pelo IDP, instituto de Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), que defende o sistema de governo à portuguesa, assim como seu par Dias Toffoli.
A PEC é respaldada ainda por deputados do Centrão, inclusive pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), mas encontra resistência na oposição, principalmente no PT, que deve lançar como candidato à presidência Luiz Inácio Lula da Silva, líder das pesquisas eleitorais para 2022.
Lira disse que a discussão já vai começar este ano com diversos seminários e audiências públicas. Não descartou um referendo, mas deixou claro que, mesmo aprovado, o semipresidencialismo só vigoraria a partir de 2026 para não correr risco de ferir nenhuma candidatura em 2022.
Apesar de não conseguir contato com Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado, sobre a proposta de referendo, a Sputnik Brasil sabe que ele considera inviável avançar com a ideia no momento de atual confusão política por que o Brasil está passando e sem que haja um amadurecimento do debate. Informado sobre os posicionamentos, Temer insistiu na ideia.
“Reitero, pela minha experiência na Câmara dos Deputados, que presidi três vezes: quando o Congresso quer, o Congresso vota. Pode ser que as condições no momento não sejam favoráveis. Aí é preciso verificar com quem está no cotidiano [da Casa]. Se não for agora, sê-lo-á em 2023”, aposta Temer.
Na entrevista à Sputnik Brasil, ele descartou ser candidato à presidência, contou os bastidores da carta que escreveu ao ministro do STF Alexandre de Moraes a pedido de Jair Bolsonaro e falou do encontro que teve com o presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, com quem também conversou sobre o semipresidencialismo.

Militante bolsonarista protesta sozinho no Fórum Jurídico de Lisboa

A ideia, debatida durante os dois dias do Fórum Jurídico de Lisboa, também incomodou militantes bolsonaristas. Ao final da última mesa de debate, pouco antes do encerramento, um homem, que se identificou posteriormente como Márcio Lopes, levantou-se da plateia e gritou palavras de ordem contra o ministro Luis Felipe Salomão.
“Judiciário do Brasil está cassando apoiadores do Bolsonaro, hein, senhor Salomão!”, gritou Lopes.
No fim de outubro, o TSE cassou o deputado estadual Fernando Francischini (PSL-PR), acusado de espalhar fake news sobre urnas eletrônicas no primeiro turno de 2018. Salomão foi um dos seis ministros que votaram pela cassação, inédita até esse momento. Além de perder o mandato, o bolsonarista ficará inelegível por oito anos.
Após o manifestante sair do auditório, o correspondente da Sputnik Brasil o seguiu até a saída da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL), onde o fórum era realizado. Lopes disse que mora no Porto desde 2003, trabalha como caminhoneiro, ficou sabendo do evento em canais de direita e, como estava em Lisboa, compareceu espontaneamente para fazer o protesto solitário. Parte dos presentes no auditório não ouviu nem entendeu o motivo da manifestação isolada, entre eles, o próprio Temer.
Confira a íntegra da entrevista com Michel Temer a seguir:
O senhor pretende ajudar nesse debate para acelerar o processo do referendo pelo semipresidencialismo no Brasil?
Michel Temer: Se for necessário, eu ajudo. Estão achando que é para aplicar em 2022. Mas só em 2026, senão vão dizer que é golpe.
O senhor descartou concorrer nas eleições do ano que vem. Quais são suas pretensões políticas daqui para a frente?
Olha, não tenho pretensão nenhuma. Você sabe que muitas pessoas me dizem que eu deveria me candidatar, a história de uma via nova, né? Vejo isso como um reconhecimento muito grande do meu governo, graças a Deus. Evidentemente, para colocar o meu nome ao lado de mais seis, sete nomes, eu não farei isso. Se um dia houvesse uma conjunção de setores dos mais variados dizendo “você é a solução”, aí, muito bem, eu iria. Mas, fora daí, para colocar o nome apenas para concorrer, já fui presidente da República e não está no meu horizonte ser de novo.
O senhor saiu com #ForaTemer e depois colocaram #VoltaTemer. O senhor não se anima com essa popularidade que o senhor adquiriu nas redes sociais?
Sabe o que acontece? Eu não sei se esta celebridade importa em número suficiente de votos. Você precisa de votos para se eleger. Eu não sei se isto acontece. É por isso que eu digo: se um dia houvesse uma conjunção extremamente favorável, asseguradora de votos, aí eu iria examinar. Mas, por enquanto, tudo o que é feito agora, para grande alegria, é um reconhecimento muito grande ao meu governo.
O senhor disse que não tem mais pretensões políticas. Já foi presidente, já escreveu livros, já teve filhos. Já plantou árvores também?
Já, já. Eu nasci no Dia da Árvore, 23 de maio, inclusive.
Falando de meio ambiente, como o senhor vê o Brasil sendo esse entrave ambiental com crescimento recorde do desmatamento da Amazônia?
No meu governo, por exemplo, fiz a maior reserva ambiental marinha que o mundo conhece. Lá, nas ilhas Trindade, em São Paulo, há uma reserva ambiental marinha que equivale à soma dos Estados da Alemanha e da França juntos. E é importante a reserva ambiental marinha porque as algas produzem oxigênio. E assim como nós ampliamos enormemente a Chapada dos Veadeiros e outras tantas coisas que o ministro Zequinha [José Sarney Filho] [fez]. Agora, aqui na Europa, eu confesso a você, as pessoas, em matéria de meio ambiente, [só] veem a Floresta Amazônica. Meio ambiente, para eles, é [só] a Floresta Amazônica, até legitimamente. Evidentemente, quando há desmatamento, o governo tem que combater. Hoje, tem meios de cultivo sustentável das terras lá na própria Floresta Amazônica. Segundo ponto é que hoje, em face do Código Florestal e de toda a legislação que veio depois, você tem até a chamada CPR [Cédula de Produto Rural], [que] são os títulos de crédito rural ambiental. A pessoa pode conservar mata nativa e lança, em face dessa conservação, títulos no mercado. Portanto, pode ganhar verbas com esse lançamento. Eu acho que nós temos que recuperar o nome do Brasil no meio ambiente e preservar o meio ambiente. Não há a menor dúvida. Nós temos terras agriculturáveis em quantidade imensa. É aquilo que se costuma dizer que é o celeiro do mundo. Nós podemos alimentar o mundo, sem violar o meio ambiente.
Agora, falando um pouco de Portugal, o senhor se reuniu ontem (terça-feira, 16) com o presidente Marcelo Rebelo de Sousa. Como foi essa audiência e sobre o que vocês trataram?
Conheço o presidente Marcelo Rebelo de Sousa há muito tempo da área universitária. Antes de ele e de eu estarmos na vida pública, nós já nos cruzávamos em palestras, aulas etc. Quando eu assumi a presidência, ele praticamente assumiu aqui em Portugal. Nós estivemos em muitos encontros internacionais. Quando ele foi a São Paulo, agora, na reinauguração do Museu da Língua Portuguesa, ele teve a delicadeza de mandar me telefonar e me convidou para um café da manhã lá no hotel. Conversamos muito a sós e com os ministros dele. Agora, quando eu vinha para cá, eu disse: “Presidente, eu vou a Dubai, falar com os empresários, e vou voltar por Portugal. Apenas se houver chance, [e o senhor] puder me receber por 10 minutos, vou lhe dar um abraço”. Ele então me respondeu: “Está marcado no dia 16, às 15h”. Conversamos uns 45, 50 minutos, mas foi uma visita de cortesia. Aproveitei para dizer que ia falar do semipresidencialismo, falamos aqui do sistema português… Ele fez uma longa análise da política brasileira, conhece tudo da política brasileira, absolutamente tudo, talvez até mais do que nós.
E da política recente brasileira? O senhor teve esse contato amistoso com o presidente português, mas Bolsonaro não compareceu à reinauguração do Museu da Língua Portuguesa por divergências políticas com João Doria, e ficou uma saia justa diplomática. Como o senhor enxerga esse momento diplomático do Brasil, com esse aparelhamento ideológico?
É preciso adotar a tese da multilateralidade. O Brasil não pode se dar ao luxo de estabelecer uma bilateralidade ou, pior ainda, um isolacionismo político. As relações internacionais, na verdade, são pautadas por interesses comerciais. Os países árabes compram 40%, 45% da nossa carne de frango. Temos contatos tecnológicos extraordinários com Israel. A China é nosso maior parceiro comercial. O segundo parceiro são os Estados Unidos. Portanto, isso revela que o multilateralismo é importante. A diplomacia deve levar em conta essa ideia da multilateralidade e não do isolacionismo.
E a questão dos filhos do presidente, principalmente nas relações com a China? Já houve saias justas por causa de mensagens pelo Twitter e mesmo com o ex-chanceler Ernesto Araújo. Como o senhor enxerga isso?
 Eles não são apenas filhos do presidente, porque todos eles são homens públicos: um é vereador, outro é deputado federal, outro é senador. De modo que eles têm o direito de dar os seus palpites. Agora, todo palpite que envolva uma agressão a países, pelo menos para o meu paladar político, não é útil para o país.
 O Carlos Bolsonaro estava presente quando o senhor esteve com o presidente Bolsonaro e escreveu a carta ao ministro do STF e seu amigo Alexandre de Moraes. O que foi mais difícil: a negociação com Bolsonaro ou com o seu amigo de longa data para que ele aceitasse esse recuo do presidente?
Foi fácil com os dois. Você sabe que eu tenho bom diálogo com o ministro Alexandre de Moraes, e o presidente me ligou, porque também eu não me intrometo. Ele disse que queria trocar ideias e uma pacificação com o Supremo, etc. E eu acabei falando com o ministro Alexandre [de Moraes] para distensionar, porque você se recorda que no dia 8 [de setembro] havia uma tensão brutal, e aquilo começou às 20h do dia 8 e terminou às 15h do dia 9. Foi uma rapidez extraordinária. Ele falou comigo até as 21h, eu falei em seguida com o ministro, depois ele [Bolsonaro] mandou me buscar lá em São Paulo. Botei os tópicos que eram importantes para uma declaração pública para amenizar essa relação, ele concordou Em pouco mais de 15 horas, nós distensionamos o país, creio eu.
O senhor já é famoso pelas suas cartas. Não só essa, mas a para a ex-presidente Dilma Rousseff. Algum dia, poderemos ler um livro com epístolas suas?
Você sabe que eu sou meio do tempo antigo. Então, eu gosto de escrever carta, porque a carta permite que você diga o que você quer sem interrupção. Às vezes, numa conversa, você é interrompido e não dá certo. Além do que, é um documento escrito, mais sólido do que um documento oral. Mas eu tenho um livro, chamado “A Escolha”, que não é de epístolas, mas é um livro da minha vida e da presidência da República.
Mas teremos algum dia esse livro de cartas?
Tenho poucas cartas. Não daria um livro.
Falando de biografia, como o senhor gostaria de ser lembrado e retratado nos livros de História?
Como alguém que foi capaz de reformar temas essenciais para o país. Mexi na previdência social, reforma trabalhista, reforma do ensino médio, recuperar as estatais, cair a inflação, cair os juros. São assuntos meio chamados de vespeiros. Primeiro, quero ser reconhecido como reformista e, depois, como um homem do diálogo. O que eu fiz nessas reformas todas, [foi] sem nenhum trauma no país. Não houve greve de trabalhadores quando fiz a reforma trabalhista, foi de comum acordo com os sindicatos de empregados e empregadores. Não houve nenhuma manifestação quando nós conseguimos convencer no tocante à previdência. E olha que não foi fácil.
Mas houve manifestações contra o senhor em outros campos…
Mas aí é o que eu disse: à oposição cabe opor-se. Eu deixava opor-se. A mim, cabia governar. Eu governava. Consegui realmente harmonizar relações com o Legislativo. Fui três vezes presidente da Câmara dos Deputados. Sempre fruto do diálogo, de um sistema de pacificação. Você não pode achar que você chegou a locais trazido pelos seus valores máximos. Você chega aos locais trazido pelo povo, quando é eleição, ou pelos pares, quando é eleição interna na Câmara.
Na sua biografia, um dos momentos mais difíceis, senão o mais difícil, foi aquela sua prisão, com o carro interceptado?
Só que não foi prisão, aquilo foi sequestro. Prisão significa que você tem um processo regular. Lá não tinha indiciamento, não tinha denúncia, não tinha absolutamente [nada]. Tinha uma representação de procuradores da República que o juiz resolveu tomar aquela providência, que caiu logo em seguida, tamanho o despautério, tamanha a barbaridade. Aquilo foi um sequestro em via pública, perigosíssimo, do jeito que foi feito, porque tinha metralhadora, lança-chamas, lança-foguete, lança-míssil. O pessoal que anda comigo podia responder, sacar a arma, atirar, achar que era um sequestro. Mas foi um sequestro feito pelo Estado.
Como foi isso em casa?
Naquele momento, foi muito desagradável. Mas eles logo entenderam e perceberam, porque eu resisti, não silenciei e fui para o embate.
Mas seu filho Michelzinho sofreu bullying na escola?
 Zero, pelo contrário, ele sempre teve um apoio extraordinário no colégio.
Michelzinho te ajuda nas redes sociais?
Muito, é ele que sabe tudo. Eu não sei nada.
O senhor votou no Bolsonaro nas últimas eleições. Se houver um segundo turno em 2022 entre ele e Lula, o senhor manterá o seu voto?
Essa pergunta você vai me fazer no ano que vem, em junho. Aí eu vou responder…
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