No dia 19 de dezembro, o candidato de esquerda, Gabriel Boric (Convergência Social) ganhou as eleições no Chile ao concorrer com candidato da extrema direita, José Antonio Kast (Partido Republicano). Desde então, os filhos parlamentares do presidente, Jair Bolsonaro (PL), assim como o próprio, vêm criticando a chegada do esquerdista ao poder, e nesta quarta(12), Bolsonaro disse que não vai à posse de Boric que acontecerá no dia 11 de março, segundo o UOL.
“Quem é que vai na posse do presidente do Chile… Eu não irei. Vê quem vai”, afirmou o mandatário.
Bolsonaro levou 72 horas para parabenizar o novo chefe do Executivo chileno, e em uma conduta parecida com a que vem tecendo com a Argentina, cria atritos com mais um país dentro da América Latina, dificultando a integração do Brasil na região.
A reportagem entrevistou Arnaldo Cardoso, cientista político e analista de política internacional, para entender o porquê que o atual governo cria relações estremecidas com o Chile mesmo antes da posse do novo presidente, e se essa postura vai influenciar nos blocos de interligação entre os dois países, como o Mercosul e o Prosul.
Segundo Cardoso, a não presença do presidente brasileiro na posse de Boric não é nenhuma surpresa, a partir do momento “que a América Latina nunca esteve na agenda de política externa do governo Bolsonaro”.
“A equivocada orientação de alinhamento com os Estados Unidos de Donald Trump norteou a política externa nos primeiros anos do atual governo e subverteu a tradição diplomática brasileira, subordinando os interesses do país a uma visão ideológica que resultou em perda de prestígio regional e global do Brasil”, analisa.
Além disso, o especialista ressalta que, nos últimos anos, o Itamaraty “abandonou qualquer projeto de liderança regional”, e a decisão do presidente de não comparecer à posse “se integra a extensa série de erros que isolaram o Brasil do mundo”.
A postura hostil brasileira em relação ao Chile, se estende a conduta com a Argentina, outro país que, publicamente, Bolsonaro critica dando alfinetadas no mandatário argentino, Alberto Fernández.
Cardoso observa a atitude como “um erro grosseiro” misturado a “ignorância e desprezo pela institucionalidade e ritos do Estado”. Em sua visão, na atual política externa brasileira “falta entendimento do que é uma burocracia especializada” e sabedoria para distinguir “governo e Estado”.
“Política externa é coisa de Estado, é construída no longo prazo por meio de negociações visando a convergência e satisfação de interesses das partes. Não pode estar sujeita aos caprichos do governante de plantão.”
Para o cientista político, este tipo de atuação com os vizinhos argentinos é um grande descuido, uma vez que “a Argentina é o principal parceiro comercial e político do Brasil na América do Sul”.
“Independentemente do matiz ideológico dos presidentes, essas relações refletem interesses de diversos setores das respectivas sociedades. Promover a discórdia e atritos com vizinhos é um erro grosseiro”, pontua.

Aliança do Pacífico e Mercosul

No final de dezembro, o novo presidente chileno começou a apresentar suas diretrizes para política externa do país e deixou claro que, dentro deste tópico, Santiago vai priorizar as parcerias com a Aliança do Pacífico, grupo econômico formado por Chile, Colômbia, Peru e México.

“Vamos dar prioridade à Aliança do Pacífico no futuro. Já falei com vários dos presidentes, em particular com (Andrés) Manuel López Obrador do México, com o presidente (Iván) Duque da Colômbia, e também temos estado em contato com o Ministério das Relações Exteriores do Peru”, disse Boric citado pela RFI.

Cardoso comenta que no começo da campanha, o presidente demonstrou iniciativa para movimentar o Chile dentro do Mercosul e o tornar efetivo no bloco, entretanto, orientado por assessores, posteriormente passou a informar que a Aliança do Pacífico estaria entre as prioridades de seu governo.
“A Aliança do Pacífico, formada em 2012, optou desde o início por um formato mais aberto e com ênfase na liberdade comercial e de investimentos, enquanto o Mercosul sempre visou uma maior integração política no Cone Sul da América do Sul”, explica.
Ainda assim, o cientista político salienta que “o bilateralismo foi a orientação predominante adotada pelo Chile nas últimas décadas, preferindo acordos de menor grau de comprometimento”.
Vale também lembrar que o país chileno é a única nação da América do Sul que tem acordo de livre comércio com o Japão.
No entanto, apesar de não se encontrarem, de fato, no bloco mercosulino, Brasil e Chile integram de forma equivalente em outra organização, o Prosul, Fórum para o Progresso e Desenvolvimento da América do Sul formado por mais 11 países.
Se as incompatibilidades entre o governo brasileiro e chileno pode minar a relação das duas nações dentro do Prosul, Cardoso diz que, pela aproximação das eleições do Brasil, esse quadro é difícil de acontecer.
“Com os resultados das pesquisas mais recentes de intenções de voto para o pleito de outubro no Brasil, o governo Bolsonaro entrou em contagem regressiva para o seu fim, sem possibilidades de reeleição, portanto, pouca influência terá neste ano sobre os rumos das negociações na região e, de modo geral, sobre temas internacionais”, examina.
Em um futuro próximo, o analista acredita que vários arranjos “podem ser objetos de negociações”, principalmente pela relevância política e econômica que abarca todos os países presentes neste tipo de organização.
“Mercosul e Aliança do Pacífico juntos, reúnem cerca de 475 milhões de habitantes e mais de 80% do PIB da América Latina.
A região carece de um novo modelo de desenvolvimento, e isso pode ser buscado conjuntamente”, pondera.
Portanto, uma boa articulação política regional “pode favorecer a concepção e implementação de bons projetos e, consequentemente, um melhor posicionamento desse conjunto de países na arena internacional”, diz o especialista.
Boric, ex-líder estudantil, venceu com 54,72% dos votos válidos, contra 45,28% do adversário, José Antonio Kast.
A chegada do jovem chileno ao poder impulsiona uma possível nova onda de esquerda na América Latina, que pode ser amplificada se as pesquisas de intenções de votos no Brasil, as quais apontam o ex-presidente Lula (PT) como favorito, se concretizarem.
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