Três anos depois do desastre de Brumadinho, o Brasil parece ainda viver sob as condições anteriores a 2019. Isso porque, mesmo após a tragédia que deixou 270 mortos e seis pessoas ainda desaparecidas, as populações que vivem próximas a barragens no país continuam convivendo com o risco diário de novos rompimentos.
Um dossiê do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), divulgado no último dia 19, aponta que 18 das 31 estruturas de mineração com algum nível de emergência acionado precisam passar por intervenção em suas estruturas.
O documento reuniu informações sobre a pluviosidade média sobre cada barragem, a existência ou não de plano para o período chuvoso, a performance do sistema de drenagem, as referências a anomalias e patologias registradas, além de ações planejadas de manutenção e monitoramento.
O relatório, realizado após o período de fortes chuvas que atingiram o estado neste ano, foi produzido em parceria entre o MP e a Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam), órgão vinculado ao governo de Minas Gerais. As mineradoras foram notificadas no dia 11 de janeiro.
Para o vice-presidente do Comitê Brasileiro de Barragens, Alberto Sayão, o principal problema das barragens com rejeitos é o fato de conservarem um grande volume de água. Ele afirma que os riscos de rompimento são ocasionados, em sua maioria, pelo excesso de água nos rejeitos.
O especialista, que também é membro da Academia Nacional de Engenharia e professor da PUC Rio, explica que, antes de tudo, as barragens têm dispositivos de drenagem, que, em geral, “não funcionam como deveriam”.
Por isso, segundo Sayão, o primeiro passo para resolver o problema das barragens de rejeitos brasileiras é ter “atenção redobrada” para os dispositivos de drenagem.

“Muito se falou que o acontecimento foi inédito, porque houve o fenômeno da liquefação, mas talvez se o problema dos dispositivos de drenagem funcionassem, seria menos provável a ocorrência da liquefação e, por consequência, também do desastre”, indicou Sayão, em entrevista à Sputnik Brasil.

Lembra que, após Brumadinho, o governo proibiu barragens construídas com o método de alteamento a montante, por ser mais sujeita à liquefação.
“Isso foi uma providência para dar uma satisfação à sociedade, porque não chegou a ser muito bem discutida. Não se sabia detalhes. Acho que a decisão foi precipitada do ponto de vista da engenharia, porque a engenharia do Brasil na área de barragem é considerada uma das mais desenvolvidas”, ressaltou.
Segundo o especialista, esse tipo de barragem é a mais econômica. Ele explica que agora as mineradoras precisam realizar aportes maiores para investir em um equipamento chamado de filtro prensa, que reduz o volume de água nos rejeitos, ou para optar por outros tipos de estrutura de barragens.

“Rejeito não dá lucro. Pelo contrário, é descartável, não interessa à dona da barragem. Por isso, ela tem menos atenção na construção e na manutenção dos detalhes do sistema de drenagem”, disse Sayão.

Revolta com a Vale e o governo

Após a divulgação do dossiê sobre as barragens, o Ministério Público de Minas Gerais informou que as mineradoras tiveram um prazo de cinco dias para apresentar documentos e prestar esclarecimentos. Expostas ao alto volume pluviométrico, as 18 estruturas indicadas precisarão de intervenções específicas.
No dia 8 de janeiro, um dique da mina de Pau Branco, pertencente à mineradora francesa Vallourec, transbordou em Nova Lima (MG). Não houve ruptura da estrutura, nem vítimas fatais, mas a rodovia federal BR-040 foi atingida e ficou interditada por quase dois dias. A empresa recebeu do governo de Minas Gerais uma multa de R$ 288 milhões.
Diversas barragens já passaram por intercorrências após Brumadinho, com alertas sobre riscos de rompimento e orientações às populações do entorno das estruturas a abandonarem suas casas.
Para Maria Regina da Silva, que compõe a diretoria da Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos do Rompimento da Barragem Mina Córrego Feijão Brumadinho (AVABRUM), multas aplicadas pelo governo do estado contra as empresas não resolvem o problema e não fazem justiça às vítimas do desastre de três anos atrás.
Ela é mãe de Priscila Elen, uma das funcionárias da Vale que perderam a vida no dia 25 de janeiro de 2019.

“Estamos vivendo situações que nos deixam indignadas. O que mudou na segurança [das barragens]? Achamos que não mudou nada. O que vemos são pessoas ganhando com esse crime”, criticou Maria Regina Silva.

A especialista afirma que o governo de Minas Gerais tem anunciado melhorias e benefícios estruturais para a sociedade, como o Rodoanel Metropolitano, graças às multas aplicadas às mineradoras. Segundo ela, a associação não enxerga esforços do governo para, de fato, punir os responsáveis pelo desastre.
“A palavra é crime. Não vemos pessoas empenhadas para que o crime tenha uma punição justa. Da parte do governo, falam que estão punindo, aplicando multa. É dinheiro para o cofre do governo. O que queremos é a prisão dos culpados”, pediu.
Silva critica também a Vale. Segundo a especialista, o que a empresa “prega é demagogia e maquiagem”. Ela relata que sua filha e os demais funcionários não sabiam dos riscosque corriam e que a companhia não se preocupou com a segurança dos trabalhadores.
“Não acreditavam que algo assim poderia acontecer. A nossa sensação é de indignidade, porque não deram dignidade. O crime foi apurado, viram que a Vale tem culpa. Tudo que foi apurado demonstra a culpa da empresa. Sabiam que ia acontecer. Só não tinham como prever a hora e quando, mas sabiam que era algo certeiro de ocorrer”, afirmou.
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