O Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, o TNP, chegou aos seus 52 anos ainda muito popular, mas em séria crise de meia idade. No dia 10 de março, o clube de discussões Valdai reuniu especialistas em Moscou para saber se, afinal, o mundo está mais próximo de uma guerra nuclear.
Em 19 de fevereiro, o presidente ucraniano, Vladimir Zelensky, fez declarações polêmicas sobre a possibilidade de seu país reverter compromissos internacionais e obter armas nucleares.
“Se [..] não houver decisões concretas sobre as garantias de segurança para nosso Estado, a Ucrânia terá todo o direito de acreditar que o Memorando de Budapeste não está funcionando e todas as decisões do pacote de 1994 foram questionadas”, disse Zelensky, durante uma conferência internacional em 19 de fevereiro.
Firmado em 1994, o Memorando de Budapeste sobre Garantias de Segurança é um acordo político entre Ucrânia, Rússia, Reino Unido e EUA que garante a adesão de Kiev ao Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares como Estado não nuclear.
“Na declaração, Zelensky faz uma referência clara ao fato de que a Ucrânia poderia desenvolver seu próprio arsenal nuclear. Isso não é um jogo de palavras. É uma declaração de um chefe de Estado “, disse Igor Vishnevetsky, vice-diretor do Departamento de Não Proliferação e Controle de Armas do Ministério das Relações Exteriores da Rússia.
Nos EUA, no entanto, a recepção da fala de Zelensky entre especialistas em política nuclear foi diferente.
“Para nós fica claro que essas declarações foram feitas no calor do momento. Eu não acho que seria uma coisa realista e não acredito que os EUA levem isso a sério”, garantiu o professor de ciência política da Universidade de Columbia Robert Legvold.
Porém, Vishnevetsky lembrou que essa não foi a primeira vez que autoridades ucranianas expressaram arrependimento por terem renunciado ao arsenal nuclear herdado da União Soviética.
“Potencial eles têm: quadros qualificados ainda da era soviética, institutos de pesquisa, usinas nucleares nas quais é possível produzir combustível nuclear”, disse Vishnevetsky. “Além do conhecido potencial para desenvolver meios de entrega. Basta lembrar que o míssil que no Ocidente é chamado de Satan […] era produzido na Ucrânia.”
O diretor do Centro de Energia e Segurança da Rússia, Anton Khlopkov, lembrou que, assim como a Coreia do Norte, a Ucrânia precisaria se retirar do TNP caso queira desenvolver armas nucleares.
“Existem órgãos governamentais na Rússia que têm informações sobre projetos na esfera nuclear ucranianos […] mas as informações públicas a que eu tenho acesso como pesquisador da área deixam claro que a Ucrânia calcula o tempo que seria necessário para desenvolver [armas nucleares] e quais seriam as consequências internacionais”, revelou Khlopkov.
O ministro da Defesa da Rússia, Sergei Shoigu, parece concordar com a posição dos especialistas. Em recente reunião do Conselho de Segurança da Rússia, ele sugeriu que a Rússia deveria levar a sério as intenções de Zelensky.
“[Na Ucrânia] há equipamento, há tecnologias, há especialistas que são capazes e têm possibilidades, a meu ver, muito maiores que o Irã e a Coreia do Norte têm”, disse o ministro russo.

Proliferação de submarinos nucleares

Segundo os especialistas, o desenvolvimento de submarinos nucleares por países como Austrália, Brasil e Irã será um desafio para o regime de não proliferação de armas nucleares.
A Austrália declarou em outubro de 2021 que montará uma frota de oito submarinos nucleares, com apoio do Reino Unido e dos EUA.
Khlopkov lembrou que as potências nucleares deveriam ter cuidado ao fornecer tecnologias que usem urânio enriquecido a países terceiros.
“Reino Unido e EUA se comportam de forma seletiva quando a questão é dar ou não tecnologia nuclear para terceiros países”, declarou Khlopkov. “Os submarinos que serão fornecidos à Austrália usam urânio altamente enriquecido. Antigamente, todos estavam de acordo […] que esse material era de alto risco. Mas agora parece que isso mudou completamente.”
Caso a Austrália receba os submarinos, será o primeiro país sem armas nucleares a usar combustível nuclear para fins militares. Os acordos internacionais da atualidade não preveem o controle desse material.
Esse dilema também será aplicado ao Brasil, quando o submarino nuclear nacional estiver pronto para entrar em atividade.
O pesquisador da Observer Research Foundation e ex-representante permanente da Índia na Conferência das Nações Unidas sobre Desarmamento Rakesh Sood lembrou que o acesso à tecnologia nuclear é garantido a todos os países signatários do TNP.
“Existe provisão no TNP para que Estados não nucleares desenvolvam submarinos atômicos. Se há uma provisão, você não pode dizer para os países que eles não podem fazer uso dela”, notou Sood.
O Brasil é membro do TNP e todo o seu programa nuclear é controlado pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Porém, como inspetores da AIEA poderão controlar o uso do combustível em um submarino nuclear, cujo objetivo é se manter oculto no fundo do mar?
Khlopkov disse à Sputnik Brasil que novas regras deverão ser formuladas para atender a países não nucleares que desenvolvam submarinos atômicos.
“Eu não tenho dúvidas de que a AIEA tem capacidade suficiente para inspecionar materiais nucleares em submarinos. Mas para que esse potencial seja realizado, será necessário um elevado nível de transparência”, disse Khlopkov.
Afirmou que países aliados de potências ocidentais, como a Austrália, não devem ter nenhum privilégio em relação às suas obrigações perante o regime de não proliferação.
“Precisamos de normas e mecanismos para garantir que o material usado nos submarinos nucleares não possa ser usado para fazer bombas. E essas normas devem se aplicar igualmente para a Austrália, para o Brasil, para o Irã e qualquer outro Estado que tenha interesse nesses submarinos”, disse o especialista.

Guerra nuclear está próxima?

Os especialistas expressaram consenso em relação ao risco real de eclosão de uma guerra nuclear, caso o regime de controle e não proliferação de armas não seja atualizado.
“O risco de uma guerra nuclear atualmente é maior do que foi em qualquer crise da Guerra Fria”, acredita o especialista da Universidade de Columbia Robert Legvold.
“Temos a abertura de novos possíveis fronts na guerra nuclear, como o front espacial e cibernético. Temos novas tecnologias, como armas de alta precisão, hipersônicas, armas eletrônicas, aliadas à integração de arsenais atômicos com mecanismos de inteligência artificiale computação quântica”, notou o norte-americano.
Lembrou o impacto que a ordem do presidente russo, Vladimir Putin, emitida em 27 de fevereiro, de colocar suas forças nucleares em alerta máximo teve na opinião pública.
“Sabemos que a opinião pública interpretou a ordem de forma equivocada. uma vez que o arsenal russo está sempre em estado de alerta”, considerou. “Mas ela gerou uma reação muito forte no público norte-americano, acordando o fantasma de uma guerra nuclear inadvertida.”
O mediador do debate, diretor do clube Valdai e decano da Faculdade de Relações Internacionais do Instituto Estatal de Relações Internacionais de Moscou (MGIMO), Andrey Sushentsov, notou que crises podem gerar avanços na área do desarmamento.
“Não quero prever o que virá depois dessa fase crítica. Mas tem algo que eu posso dizer com algum grau de certeza: depois de toda a guerra vem a paz”, concordou o vice-diretor do Departamento de Não Proliferação e Controle de Armas do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Igor Vishnevetsky.
“Essa fase aguda vai passar e todos vão refletir sobre o que fazer depois. A lição vai ficar. E não somente sobre como evitar novas crises, mas também sobre como seguir em frente em relação ao desarmamento e não proliferação nuclear”, concluiu o diplomata.
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