Com a escalada dos preços dos combustíveis no Brasil, entrou no centro do debate a guerra de retóricas envolvendo o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Enquanto o governo federal apontava a redução da tarifa sobre o diesel e a gasolina como saída para frear a alta dos combustíveis, os governadores afirmavam que o corte provocaria perdas bilionárias para investimentos.

Ganhou o cabo de guerra o governo federal. Em 23 de junho, após aprovação pelo Congresso Nacional, o presidente Jair Bolsonaro (PL) sancionou a Lei Complementar 194, com vetos à compensação financeira aos estados.

O texto enquadra combustíveis, energia elétrica e serviços de telecomunicações e de transporte público como essenciais, limitando a cobrança do ICMS à alíquota mínima de cada estado, que varia entre 17% e 18%.

Paralelamente, por meio da Advocacia-Geral da União (AGU), o governo entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para garantir a uniformidade da alíquota única de ICMS sobre o diesel em todos os estados.

O ministro da Corte André Mendonça emitiu liminar favorável à ação e estabeleceu que a nova regra do ICMS deveria entrar em vigor a partir desta sexta-feira (1º).

Mas a nova lei de padronização e redução do ICMS será suficiente para conter os aumentos nos preços dos combustíveis, que têm pressionado a inflação nos últimos meses? E qual será o real peso das mudanças para a população?

Nesta semana, diversos estados anunciaram projeções do novo preço médio da gasolina nas bombas. Segundo o governador de São Paulo, Rodrigo Garcia (PSDB), considerando o valor médio atual de R$ 6,97, o litro do combustível agora ficará abaixo de R$ 6,50.

No Rio de Janeiro, com a redução do tributo, o preço médio da gasolina, hoje de R$ 7,80, passará para R$ 6,61 a partir da próxima segunda-feira (4).

O economista Mario Rubens, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), não vê a redução do ICMS como uma alternativa real para a alta dos preços da gasolina e do diesel. O especialista aponta prazo de validade na medida, uma vez que os preços dos combustíveis estão atrelados aos custos internacionais do barril de petróleo, em dólar.

“Durante todo esse período, o governo tem tentado criar conflitos para explicar sua falta de responsabilidade, pois não fizeram nada. O mundo todo está criando estratégias para conter a alta do preço. Se o preço internacional do barril se mantiver, [a gasolina] pode baixar centavos na bomba, mas se o petróleo e o dólar continuarem a subir, o combustível vai subir também”, alertou Rubens.

Política de preços da Petrobras em xeque?
Segundo o economista, os consumidores deverão ser beneficiados no curto prazo. Para ele, porém, os efeitos maiores só serão percebidos na aquisição de gasolina. Rubens afirma que a alíquota de ICMS para diesel é tão baixa que não será tão impactante.

“Vai baixar um pouco [a gasolina], e o diesel não muda muito. Mais uma vez, vejo a tentativa de polemizar, jogar a culpa nos estados, em vez de criar um plano para conter a alta”, disse.

Ao criticar a inação do governo brasileiro, o professor cita exemplos de medidas tomadas por Estados Unidos, Inglaterra e Portugal para segurar a elevação dos preços: colocar em oferta estoques de reserva; conceder bônus na conta de luz para os consumidores; e subsidiar uma parcela dos combustíveis a custo perdido, respectivamente.

Rubens aponta que o governo, enquanto acionista majoritário da Petrobras, deveria ter uma estratégia para combater o problema. Neste momento, o especialista não se diz favorável ao fim do preço de paridade internacional (PPI) — política implementada no governo de Michel Temer (MDB) que condicionou os preços dos combustíveis no país aos barris internacionais.

Segundo ele, devido à crise ucraniana e às sanções econômicas contra a Rússia, uma desvinculação dos preços poderia gerar escassez de diesel no país, pois os produtores tenderiam a vender mais caro no mercado internacional, em um momento de alta demanda por combustíveis.

“Tem que haver uma decisão do governo em conversa com a Petrobras. Temos a situação na Ucrânia e as sanções [contra a Rússia]. Nesse caso, é melhor manter a política [PPI], porque não vamos conseguir nem abastecer caminhões”, avaliou.

Já para Fábio Sobral, economista e professor da Universidade do Ceará (UFC), o maior problema atual é justamente a política de paridade internacional, já que os preços dos combustíveis vão continuar a acompanhar as altas dos barris de petróleo e do dólar.

No fim da tarde desta sexta-feira (1º), o barril de petróleo do tipo Brent era comercializado a US$ 111,47 (R$ 593,29) e o dólar fechou cotado em R$ 5,32. Apenas nesta sexta, as altas foram, respectivamente de 2,44% e de 1,68%.
Por isso, segundo o especialista, a nova lei para o ICMS não será efetiva contra os aumentos dos preços.

“O dólar tem se valorizado frente ao real e, em um mundo instável, com uma série de boicotes da União Europeia à Rússia, tem provocado a elevação do barril de petróleo. Então o ICMS talvez seja a menor fatia entre esses elementos”, apontou.

De acordo com Sobral, “enquanto a política de paridade não for alterada, não haverá solução”. Ele afirma que a proposta do governo se baseia no princípio liberal de eliminação de tributos e redução do Estado.
O economista explica que no modelo o Estado concede as decisões a grandes corporações, que visam ao lucro em seus negócios em detrimento do bem-estar social.

“A ideia de reduzir tributos não traz benefícios para o conjunto da população. Não traz emprego, não gera mais renda. Reduzir os tributos só dificulta a ação do Estado, que vê suas receitas serem reduzidas”, indicou.
Mais ou menos inflação à vista?

O IPCA-15, prévia do indicador oficial de inflação do país, acumula alta de 5,65% no ano. No acumulado de 12 meses, a alta da taxa já é de 12,04%, segundo cálculos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Segundo o especialista, os impactos na inflação “serão mínimos”. Sobral descarta a possibilidade de os índices de inflação caírem “se a política estabelecida de aumentos dos preços administrados não for corrigida”.

De acordo com o professor, itens como combustíveis, energia, passagens, remédios, entre outros, definidos por estruturas estatais ou outros mecanismos, “puxam a inflação de todos os bens”. Exceto dos salários, acrescentou.

“Estamos em um período, no mundo inteiro, em que o grande capital decidiu elevar suas taxas de lucro. Para isso, comandam os governos para que colaborem com isso. Isso faz as grandes corporações obterem lucros extraordinários”, apontou.

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