Marcia Regina e Fernanda Zita são mulheres pretas. Uma assistente social, a outra pedagoga, ambas cresceram e formaram suas famílias em Diadema, lutando diariamente contra os preconceitos gerados por seus corpos. Na verdade, por aqueles que se incomodam com seus corpos. Mesmo Diadema sendo uma das cidades com maior população negra do Brasil, a realidade é dura para quem é mulher, é preta e, acredite, é mãe.

“Eu fui demitida por ser mãe,” afirmou Fernanda. “E logo em uma creche, um espaço criado para dar apoio às mães… Atravessamos a pandemia com todas as dificuldades do home office e o ensino remoto, mas quando voltamos ao presencial foi feito um corte e eu encabeçava a lista por ser mãe, mesmo sempre tendo honrado meus compromissos profissionais.”

A partir daí, só a meta era voltar ao mercado de trabalho. Mas como? “Ser mulher, já é mais difícil. A partir do momento que você se torna mãe, fica mais difícil ainda. Quando atingimos uma certa idade, também fica mais difícil entrar e permanecer no mercado de trabalho. É uma bola de neve. Quando você preenche uma ficha de vaga, você sempre preenche lá raça, etnia, se tem filhos, idade – e eu sentia que ia perdendo pontos pra ingressar na empresa a cada resposta que dava.”

Foi quando decidiu empreender. “Em um primeiro momento, para ficar mais perto do meu filho e driblar esses entraves da volta ao mercado de trabalho.” Abriu um brechó online e a coisa deu tanto certo que logo estava alugando um espaço para a loja física. E não era a única: outras amigas estavam fazendo doces pra vender, sabonetes, artesanato. Muitas delas também professoras desempregadas. “Resolvemos fazer um projeto, porque de projeto a gente entende. E apresentamos na prefeitura.”

O pleito acabou chegando no início deste ano à Casa da Economia Solidária, um braço da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Trabalho. “Por que não formam um coletivo de mulheres empreendedoras?”, foi a resposta que receberam. “A Casa pode ajudar vocês.” Nascia o Empreender Delas.

O coletivo de Marcia também foi parar na Casa da Economia Solidária, mas por outro caminho. A assistente social sempre trabalhou na área, até hoje, e sua preocupação sempre foi com as mulheres pretas periféricas que atendia, as mães que cuidavam de seus filhos e ao mesmo tempo são artistas, artesãs, trabalham com alimentação. Em 2017, em um evento na Casa do Hip Hop em celebração ao Dia da Mulher Negra e Caribenha, Marcia conversava sobre o assunto com outras amigas e então se lembrou de uma lei, aprovada no ano anterior, que incentiva o afroempreendedorismo na cidade. A lei, n°3596 de 2016, em vigor até hoje, estimula a criação de coletivos de pessoas afrodescendentes e ordena a criação de uma linha de crédito especial a essas iniciativas, bem como incentiva a formação de parcerias e convênios com a prefeitura. “Apesar de nunca deixar de ser assistente social, também sou artesã há 25 anos, trabalho com artesanato étnico sustentável. Vimos que havia essa legislação e poderíamos ajudar a transformar o que estava no papel em políticas públicas.”

O Coletivo de Afroempreendedorismo de Diadema conta hoje com 14 afroempreendedores, homens e mulheres, mas a maioria das participantes são mulheres negras. “Isso reflete o momento em que vivemos, com Diadema tendo muitas famílias vulneráveis e a gente tendo que sobreviver por pura resiliência, ou seja, fazer o que a gente sabe e transformar isso em sustento para nós e nossas famílias. E nos fortalecemos juntos diante dessa realidade.”

Não foi fácil. “A dificuldade vem desde que nos reconhecemos por gente: ao se reconhecer mulher, ao se reconhecer pessoa preta, as dificuldades vêm junto, pelo preconceito, pelo racismo, pela criminalidade, pela violência doméstica… E, dentro desse quadro, fazer valer o reconhecimento da nossa arte, ser reconhecida como mulher e capaz, é sempre uma luta.” O coletivo procurou inicialmente a Secretaria de Cultura, interessado em montar barracas e vender seus produtos nos eventos culturais pela cidade. Deram de cara com o primeiro empecilho: não poderiam participar se fossem ter fins lucrativos. E essa era TODA a finalidade. “Por que não procuram a Economia Solidária?,” lhes disseram. Foi assim que conheceram a Casa.

“Hoje frequentamos os espaços onde há eventos públicos e a Casa ainda nos fornece a estrutura: as barracas, os pontos de luz, transporte dos equipamentos etc.” Por meio da Casa da Economia Solidária também conseguiram, por um mês, um ponto no Shopping Diadema, para expor e vender seus produtos. “Foi uma oportunidade única!”

O apoio da Casa reacendeu nas duas mulheres a vontade de sonhar. “Temos um sonho, como coletivo, de atingirmos um patamar de reconhecimento das questões do povo preto não só pra venda, não só armar uma barraca e vender, mas de discutir uma política, transformar a Economia Solidária e o Afroempreendedorismo em Diadema em política pública,” disse Marcia. “Uma política de direitos e reconhecimento.”

“Já nossas metas é que o coletivo cresça cada vez mais e possa atingir muitas mulheres,” reflete Fernanda. “Mulheres que são guerreiras, que estão dia a dia na luta de serem empreendedoras, e precisam de autonomia, de realizações através dos próprios empreendimentos. Eu quero ver mulheres mudando, se apoiando, negras, de todas as etnias. Que o ser humano não precise ser desumano para atingir os seus objetivos.”

Fernanda se emociona. “Poder falar do futuro mexe com a gente, faz a gente parar pra pensar na vida, né… E quando a gente para pra pensar na vida, fica delicado… Mas é isso. É meta. E desistir não é uma opção.”

Edital de Incubação

Segundo Mariana Giroto, responsável pelo setor de Economia Solidária da SEDET, esse tipo de estímulo é exatamente o papel da Casa. E a ideia é expandir ainda mais: Em agosto será lançado um edital para a incubação e acompanhamento de novas associações, cooperativas e coletivos que já existem ou estão em processo de formação no município de Diadema.

“Poderão participar do edital empreendimentos ou coletivos que contam com pelo menos cinco integrantes, que atuam em qualquer segmento dos setores agroecológico, da indústria, comércio ou serviços,” explicou. “Após a seleção, os empreendimentos passam a ser acompanhados pela Incubadora Pública de Empreendimentos Populares e Solidários num processo chamado de pré-incubação, período em que os empreendimentos conhecerão mais a economia solidária e terão assessoria para verificar a viabilidade econômica do empreendimento.” Caso o empreendimento seja viável e o coletivo opte por ser definitivamente incubado, seus integrantes receberão formação em gestão de negócios e o empreendimento passa a ser acompanhado, recebendo assessoria nas áreas de formalização, comercialização e comunicação e marketing.

Os interessados em participar do processo já podem procurar a Casa da Economia Solidária e demonstrar seu interesse que receberão auxílio sobre como organizar o empreendimento para participar do edital. A Casa fica na rua Prof. Evandro Caiafa Esquível, 127 – Chácara Húngara, Diadema. O telefone é 11 4055-5162.

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