Ana Tomazelli, CEO do Ipefem, diz porquê o reconhecimento da doença ainda encontra dificuldades na esfera judicial brasileira
Reconhecida desde janeiro de 2022, pela OMS (Organização Mundial de Saúde) como uma doença ocupacional, a síndrome de burnout refere-se a um estado de exaustão física, emocional e mental, causado pelo estresse prolongado no ambiente de trabalho. Segundo uma pesquisa realizada pela International Stress Management Association (ISMA), o Brasil é o segundo país com mais casos diagnosticados, ficando atrás apenas do Japão, que tem 70% de sua população acometida pelo problema.
Segundo um levantamento da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (Anamt), a síndrome já afeta cerca de 30% dos trabalhadores brasileiros, e embora possua consequências significativas para o bem-estar dos profissionais, as implicações legais a respeito do burnout nas empresas ainda seguem sem uma resolução adequada.
Para a Psicanalista e CEO do Instituto de Pesquisa de Estudos do Feminino (Ipefem), Ana Tomazelli, a síndrome de burnout ainda encontra obstáculos para ser reconhecida e punir os responsáveis direta ou indiretamente. Isso porque a doença é uma condição do ambiente de trabalho e não do profissional, individualmente.
‘’As pessoas desenvolvem sintomas e doenças que juntos, podem ser lidos como Burnout, por esse motivo a causa da síndrome nem sempre será reconhecida de forma direta. Existem algumas variáveis responsáveis pelo adoecimento dos profissionais, como uma liderança que comete assédio, colegas que praticam bullying, cultura empresarial de performance com metas duras e inflexíveis, entre outros pontos que podem ser difíceis de serem levados à esfera judicial”, pontua a especialista.
A relação entre burnout e casos legais ainda não é totalmente clara no país, pois, em muitas ações movidas na justiça, a doença nem sempre é reconhecida como uma condição médica, sendo distribuída a categorias que se correlacionam, como assédio ou danos morais.
‘’Ainda que a Justiça do Trabalho tenha se modernizado, todo o processo de denúncia ou de ação contra as empresas pode ter o custo financeiro, de tempo e um desgaste emocional e físico para os profissionais. Portanto, mesmo que a nossa legislação tenha um bom índice de resolução em outros casos e esferas, nosso sistema jurídico ainda se distancia da complexidade que está ligada a orientar as questões sobre Burnout’’, finaliza Ana, que foi Executiva Internacional em Recursos Humanos por mais de 20 anos.
- Apenas 37% dos trabalhadores se sentem seguros em discordar de sua liderança
Uma pesquisa realizada em outubro do ano passado por Ana Tomazeli, com mais de 200 participantes, mostra que apenas 37% dos profissionais se sentem totalmente seguros para discordarem da sua liderança no ambiente de trabalho. Já 63% manifestaram alguma ressalva ou receio de se posicionar quando discordam da liderança.
Esses números refletem a insegurança psicológica dos ambientes corporativos, considerando que a segurança psicológica não deveria ser algo negociável. É isso que a psicanalista e CEO do Ipefem defende há anos. “Você se sente confortável no seu trabalho para dividir um diagnóstico de saúde mental que vai impactar sua entrega no curto prazo? Você acha que o seu emprego está garantido, mesmo que você manifeste uma discordância em relação a algumas orientações da empresa? Se você respondeu “não” a uma dessas perguntas, é bem provável que você esteja vivendo em um ambiente profissional de pouca ou nenhuma segurança psicológica” exemplifica Ana.
A pesquisadora Amy C. Edmondson, em seu livro “The Fearless Organization” (Organizações sem medo, em português) define segurança psicológica como “a crença de que o ambiente profissional é seguro para assumir riscos interpessoais”. Ou seja, seguro o suficiente para não haver uma demissão, mas, também, para coisas mais simples, como não ouvir uma piada ou um deboche que expõe a sua pergunta ao ridículo, por exemplo.
Por outro lado, as culturas corporativas incentivam – pelo menos com palavras – que as pessoas questionem, dêem ideias e falem a verdade. Mas, será que a realidade das relações permite isso? Essa é a indagação que a psicanalista faz. “Sentir medo de sofrer represálias, de receber punições, passar por situações vexatórias, humilhantes ou degradantes, tudo isso pode indicar que você esteja experimentando um conjunto de relações vulneráveis no pior sentido da palavra”, detalha.
“Em um país onde os casos de ansiedade e Burnout não param de crescer, precisamos de mais espaços para conversar sobre esse assunto. Saber o que acontece hoje no mercado de trabalho (não, não é só com você!) é poderoso. Conhecer os dados, entender as possibilidades, e conseguir agir através da Segurança Psicológica!” finaliza.
Abaixo veja alguns questionamentos para você fazer a si mesmo e entender se o ambiente em que está inserido proporciona segurança psicológica.
- Você se sente confortável no seu trabalho para dividir um diagnóstico de saúde mental que vai impactar sua entrega no curto prazo?
- Você acha que o seu emprego está garantido, mesmo que você manifeste uma discordância em relação a algumas orientações da empresa?
- Você sente que uma crítica a um trabalho seria bem-vinda?
- Como você recebe uma crítica?
- Como são os julgamentos imediatos e compulsórios que as pessoas fazem de você, quando você expõe uma vulnerabilidade?
Decidir deixar um ambiente tóxico não é uma decisão fácil e exige planejamento. Caso identifique estar em um ambiente que não seja saudável, procure ajuda profissional. O Ipefem tem grupos de apoio a pessoas que sofrem de Burnout, saiba mais em www.ipefem.org.br
Ipefem
Fundado em 2019, o Instituto de Pesquisa de Estudos do Feminino e das Existências Múltiplas – Ipefem atua em três pilares, que podem acontecer coordenadamente ou individualmente: pesquisa, educação e terapia. Em Pesquisas, considera-se todas as modalidades técnicas de pesquisa que considerem recortes por gênero, raça e saúde mental. Em Educação, o instituto tem a Comunidade Ipê, uma plataforma de educação à distância, baseada em Lifelong Learning, dedicada a aulas expositivas e micro conteúdos de impacto. Em Terapia, o instituto já atendeu milhares de pessoas, oferecendo apoio terapêutico individual ou em grupo, podendo ser atendimentos gratuitos ou com valores simbólicos acessíveis. Saiba mais: https://ipefem.org.br/
Ana Tomazelli, Psicanalista e Fundadora do IPEFEM (Instituto de Pesquisa de Estudos do Feminino e das Existências Múltiplas). Mestranda em Ciências da Religião pela PUC-SP, a profissional conta com 20 anos de experiência no mercado de Recursos Humanos e Gestão de Pessoas, com passagem pelas empresas KPMG, Dasa, UnitedHealth Group, Solera Holdings, entre outras. Pós-graduada em Gestão de Pessoas pela FGV, Administração e Gestão de Empresas pelo IBMEC, Psicanálise e Saúde Mental (IBCP).
Fonte: Agência Temma