Não é transformando valores mobiliários em tokens que se conseguirá transformar o mercado de capitais com uso da blockchain, mas utilizando-a juntamente com os smartcontracts para dar efetividade aos quatro pilares da governança corporativa, isto é: disclosure, accountability, compliance e fairness
Disclosure, por exemplo, significa transparência, e a blockchain no contexto de redes públicas verdadeiramente distribuídas pode contribuir para tornar esse pilar confiável, mas sem a necessidade de se depositar confiança! Como o colega Lucas Oliveira, matemático e notável programador, afirma: “I use blockchain to create ties of trust between people who don’t know each other”.
Accountability, por sua vez, significa prestação de contas, a qual pode ser automatizada por meio do uso dos smartcontracts devendo seu conteúdo estar lastreado nos dados constantes da blockchain.
Compliance, grosso modo, significa respeito às normas, sejam estas de caráter jurídico, ético ou regulamentar. O escritório Lopes e Zorzo introduziu no Brasil um dos mais avançados paradigmas jurídicos da atualidade, intitulado legal by design, mediante o uso de smartcontracts, como forma de automatizar o cumprimento das obrigações, ou seja: se bem implantado o padrão legal by design no contexto empresarial, então sequer há possibilidade de desrespeito às normas.
Enfim, fairness é um termo complexo de traduzir, mas seguindo a sugestão do filósofo Wittgenstein, de que o significado depende do uso, podemos traduzi-lo no contexto empresarial não como justiça ou equidade, complexos conceitos filosóficos, mas como imparcialidade.
Em outros termos, por meio do uso correto dos smartcontracts podemos estar seguros de que uma vez definidas as normas, estas serão cumpridas, ao menos como já observamos em alguns dos protocolos de finanças descentralizadas, mais conhecidos como protocolos DEFI (Decentralized finance).
Certamente há muitos desafios para realização desse roteiro no contexto do mercado de capitais, e a tendência do ser humano diante de tecnologias disruptivas certamente não é ser disruptivo, tal como demonstra o exemplo do engenheiro chefe dos correios britânicos, que disse ao saber da invenção do telefone: “Os americanos têm necessidade de telefones, mas nós não. Temos muitos meninos mensageiros”.
E é exatamente por isso que a febre ainda é “trocar a roupa dos ativos” ou pedir mais leis para o mercado, mesmo diante de inovações criadas pelo mercado para tornar muitas dessas Leis dispensáveis.
Por Fernando Lopes e Marcella Zorzo