E se fosse possível realizar uma operação de câmbio sem utilizar instituições financeiras e sem pagar IOF?

Embora não seja possível fazer isso, ao menos não sem incorrer na prática de crimes, o novo mercado brasileiro de prestação de serviço de ativos virtuais, instaurado pela Lei 14.478/2022, “vulgarmente chamada de “Marco Legal de Criptoativos”, trouxe a possibilidade de realização de operações similares às operações de câmbio, mas sem os custos cambiais e tributários destas.

Para entender como isso funciona, além de conhecermos os critérios de incidência do IOF[1] e o conceito de operação de câmbio[2], precisaremos ainda saber o que são stablecoins, espécie de criptoativo que pode ser trocado facilmente por dólar, e que já pode ser comprado até mesmo por meio de grandes varejistas como a Magazine Luíza[3].

Tecnicamente stablecoin é um token emitido a partir de um smartcontract criado com o objetivo de ter o mesmo valor que alguma moeda estatal[4]. Por exemplo, a USDC, stablecoin comercializada pelo Magazine Luíza, tem valor de mercado muito próximo de 1 dólar.

O motivo de haver no mundo pessoas dispostas a trocar dólar por stablecoins pode variar a depender do tipo de stablecoin. No caso da USDC e da Tether, esta a stablecoin mais utilizada no Brasil, há uma crença de que para cada stablecoin posta em circulação, há um dólar depositado em algum lugar.

Por outro lado, no caso da Dai, stablecoin algorítmica, a paridade é buscada mediante um conjunto de incentivos aos compradores baseados na teoria dos jogos, cuja explicação iria muito além deste artigo.

O fato jurídico e econômico importante, no entanto, é que as stablecoins podem ser facilmente transferidas entre os usuários, de forma direta (ou peer to peer, como se diz no jargão do mercado de criptoativos), não sendo difícil trocar USDC ou Dai por dólar em qualquer parte do mundo.

Em termos técnicos: stablecoins possuem grande liquidez!

O modo de aquisição de stablecoins pode variar, a depender do conhecimento do comprador em relação ao mercado. Enquanto compradores inexperientes podem adquirir stablecoins de Bancos e agora até mesmo no Magazine Luíza, um usuário experiente poderá adquiri-las de forma anônima, fazendo uso de algum protocolo DEFI[5], onde o pagamento é feito mediante uso de tokens ou criptomoedas.

Obviamente, nada impede que um usuário aceite stablecoins em troca de um bem. Nesse sentido, o conhecido apresentador e empresário, Roberto Justos, afirmou ter vendido um imóvel mediante recebimento de uma stablecoin[6]

Essa facilidade de troca por dólar bem como a paridade mencionada levaria muitos a supor que a transferência de stablecoins seria uma operação de câmbio.

No entanto, de operação de câmbio não se trata porque a Lei 14.478/2022 ao caracterizar as stablecoins como ativos virtuais, excluiu-a do conceito de moeda, bem como de ativo financeiro.

Com efeito, no caput do artigo 3º da referida Lei, cumulado com o inciso I, temos tanto a definição do conceito de ativo virtual quanto sua expressa diferenciação do conceito de moeda nacional e estrangeira.

Por sua vez, o inciso IV do mesmo artigo exclui do conceito de ativo virtual “representações de ativos cuja emissão, escrituração, negociação ou liquidação esteja prevista em lei ou regulamento, a exemplo de valores mobiliários e de ativos financeiros”.

Ou seja, em se tratando de ativo virtual, as stablecoins não podem ser consideradas moedas nacionais ou estrangeiras, valores mobiliários, ou mesmo ativos financeiros.

Portanto, como os ativos virtuais não estão incluídos no regulamento do mercado de câmbio e capitais internacionais, instituído pela Circular 3.280, de 09.03.2005, não podendo ainda ser considerados ativos financeiros, dado o inciso IV da Lei 14.478/2022, não há que se falar, prima facie, da incidência de IOF ou da caracterização de uma operação de câmbio a partir da compra de uma stablecoin.

Prima facie, porque devido à complexidade das normas cambiais e tributárias cotejadas com as peculiaridades do caso concreto, não é de se excluir alguma possibilidade do uso de stablecoins no contexto de operações de câmbio.

Por isso, em caso de dúvidas, recomenda-se sempre a consulta de um bom advogado antes da realização de qualquer operação envolvendo stablecoins.

De qualquer modo, vislumbra-se inúmeras possibilidades de uso de stablecoins e outros criptoativos em substituição ao uso das moedas fiduciárias, de modo a reduzir custos de transação, dentre outros benefícios.

[1]  Para uma análise das operações sobre as quais incide IOF Cf. Decreto nº 6306 (planalto.gov.br)

[2] Para uma análise completa dos critérios que definem o mercado de câmbio no Brasil Cf. https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/rmcci

[3] Magalu entra no mundo das criptomoedas e oferece ativos para clientes em app: Usuários do App Magalu poderão investir em bitcoin, ether e USDC a partir de R$ 1 por meio da conta digital MagaluPay. Disponível em:  https://exame.com/future-of-money/magalu-criptomoedas-oferece-ativos-clientes-app/

[4] Não podemos adentrar nesses conceitos aqui. Para um guia completo e objetivo sobre o assunto, sugerimos a leitura do nosso livro: “O Guia Jurídico da Tokenização” que pode ser obtido pelo site https://lopesezorzo.com

[5] Mais uma vez, para uma compreensão do mercado DeFi, sugere-se a leitura do livro “ O Guia Jurídico da Tokenização”, disponível no site https://lopesezorzo.com

[6] Roberto Justos revela que vendeu um imóvel usando stablecoin. Disponível em: https://www.youtube.com/shorts/lp9aIZRY-8E

 

Fonte: Advogados Marcella Zorzo e Fernando Lopes

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