Apresentação ao TJSP está entre as primeiras ações programadas pelo grupo
O Sankofa, coletivo feminista e antirracista de juízas formado em São Paulo realizou, na sexta-feira (1/3), a solenidade de assinatura do regimento interno e posse de seu comitê de coordenação. Estiveram presentes mais de 60 juízas e desembargadoras. Durante o evento, tomaram posse sete coordenadoras eleitas. Elas cumprirão mandato de um ano e pretendem imprimir à gestão a marca de uma representatividade plural. Caberá a ao novo órgão implementar as ações do coletivo durante 2024. Uma delas será uma apresentação formal do TJSP (Tribunal de Justiça de São Paulo).
Primeiro grupo paulista criado para promover a igualdade de gênero e de raça, além do fortalecimento da atuação de mulheres na magistratura, em especial de mulheres negras, o Sankofa conta com 162 magistradas, congregando energia e diversidade de experiências. De acordo pesquisa do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), pessoas brancas representam a grande maioria (83,8%) dos magistrados da Justiça. Identificam-se como pessoas pretas apenas 1,7% dos magistrados e magistradas.
A solenidade foi aberta pela desembargadora aposentada Angélica Almeida, do TJSP. Ela formalizou a assinatura do regimento e resgatou a história do grupo. Ressaltou a importância da interação coletiva e das reflexões sobre a discriminação. “É uma barreira que impede ou dificulta o acesso ou desenvolvimento paritário e atinge de modo desproporcional as mulheres e, notadamente, afeta as mulheres negras de forma mais severa”, afirmou.
Figura emblemática para a formação do coletivo, a desembargadora Salise Monteiro Sanchotene, do TRF4 e conselheira do CNJ, frisou as dificuldades das magistradas advindas das questões de gênero. “No plano pessoal, por causa da maternidade e da vida afetiva para conciliar com o trabalho; na carreira, com as discriminações indiretas. Uma das funções do coletivo é mostrar às colegas que ainda não entenderam essas pequenas violências que sofremos no dia a dia”, afirmou Salise.
A magistrada foi responsável pelo voto que aprovou no CNJ a Resolução 525/2023, garantindo às juízas de 1º grau acesso aos Tribunais de 2º grau pelo critério de merecimento com lista exclusiva para mulheres. “A ministra Rosa Weber [então à frente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do CNJ] foi uma líder fundamental nesse processo ao dar espaço para que os grupos e coletivos femininos atuassem. Esteve em todos os eventos que promovemos. Disse o momento que nós deveríamos pautar a votação da Resolução, que significa a possibilidade de termos um Judiciário mais plural. Se as mulheres são 65% da população, não podem ser 25% dos tribunais”, afirmou.
Canal de diálogo com o TJSP
Eleita para o comitê de coordenação do grupo, a juíza Lívia Antunes Caetano, do TJSP, falou sobre a importância do coletivo. “Ele tem uma significância especial, sobretudo para as poucas integrantes autodeclaradas negras e pardas na condição de magistradas — dentre as quais eu me incluo como parda. A ideia do coletivo é fazer uma busca ativa de colegas que se identifiquem como nossos objetivos — buscar um sistema de justiça mais plural, igualitário e que reflita a nossa sociedade”.
Segundo ela, a próxima tarefa do Sankofa será a apresentação formal do coletivo à Presidência do TJSP e aos integrantes do Conselho Superior da Magistratura. “Além disso, temos vários planos de trabalhar, dentro e fora do coletivo, em atividades relativas ao letramento racial e de gênero; realizar palestras e cursos, se possível, em parceria com as escolas de magistraturas locais, da Justiça Federal ou Trabalhista”.
Juliana Silva Freitas, juíza da comarca de Cordeirópolis (SP) e também eleita para o comitê de coordenação, apontou que a ainda reduzida quantidade de juízas negras no coletivo não diminui sua representatividade. “Numericamente somos poucas, mas representamos muitas. O percentual de juízas negras dentro do coletivo é superior ao que se observa dentro da magistratura. Reconhecemos, porém, a possibilidade de ampliar esse percentual, mantendo a aplicação de todos os instrumentos de política pública de ação afirmativa já desenvolvidos, dando suporte ao ingresso de pessoas negras na magistratura”.
A exemplo de juíza Lívia Caetano, a magistrada de Cordeirópolis ressaltou a importância da manutenção de boas relações como o TJSP. As integrantes do Sankofa são ligadas a quatro tribunais sediados no Estado de São Paulo. “Nosso objetivo é manter esse canal de diálogo com o Tribunal de Justiça”, afirmou.
Angélica de Maria Melo de Almeida, desembargadora aposentada do TJSP, apontou a presença da mulher como motivo de surpresa ou desconfiança junto a uma parcela do Judiciário. Como solução para o problema, apontou a existência do trabalho coletivo. “No momento em que a fala individual da mulher é desconsiderada, o coletivo contribui para demonstrar que esta fala, por ser diferente e apresentar distinta especificidades, deve ser valorizada”.
Além da equidade de gênero, Joanna Terra Sampaio dos Santos, juíza auxiliar do TJSP, espera que a fundação do Sankofa possa levar à conquista de um grau de igualdade racial em todos os cargos, inclusive nos de cúpula: “A quantidade de juízas negras nos tribunais é diminuta. Como mulher e juíza negra, creio que as expectativas são as melhores de que consigamos atingir o grau de igualdade racial”.
Sobre o Sankofa
Iniciado em setembro de 2023 e lançado publicamente em 8 de dezembro, Dia da Justiça, o Coletivo Sankofa é um grupo de magistradas que atuam em São Paulo criado para promover a igualdade de gênero e de raça e o fortalecimento da atuação de mulheres na magistratura, em especial de mulheres negras. É constituído por magistradas da Justiça Estadual, do Trabalho e Federal, desde aquelas com 30 anos de experiência e outras com dois ou três anos de atuação. A palavra Sankofa — que dá nome ao coletivo — remete a uma ave da mitologia da África Ocidental que voa para frente, tendo a cabeça voltada para trás e no bico carrega um ovo, representando o futuro. O conceito expressa o retorno ao caminho para adquirir conhecimento do passado, a sabedoria e a busca da herança cultural dos antepassados para construir um futuro melhor.
Fonte: Avocar Comunicação