Feito a partir do barro, ele é conhecido não só pela melhora da qualidade da água, mas também por ter se tornado uma referência nas casas brasileiras
Tido como uma das maiores expressões da nossa cultura em forma de objeto, o filtro de barro é uma das peças mais presentes nos lares brasileiros. Com design simples e funcional, ele surgiu como uma solução fundamental para um problema complexo, sobretudo na virada do século XIX para o XX: a dificuldade de encontrar água limpa e boa para o consumo.
Embora o responsável pela criação não tenha sido registrado pela história, sabe-se que imigrantes portugueses e italianos trouxeram as primeiras velas para filtrar água que já eram utilizadas na Europa. “Naquela época, os filtros eram produzidos majoritariamente de metais e as velas eram feitas de diferentes pedras porosas. Porém, em algum momento, no interior de São Paulo, perceberam que as jazidas de argila da região de Ribeirão Preto ofereciam um excelente material para potes de cerâmica, peças tradicionais utilizadas para armazenar água. E a partir daí, começam a desenvolver os filtros mais populares.”, revela Lucas Lassen, diretor criativo da Paiol, loja especializada em objetos com história.
Rapidamente, o filtro se espalhou pelo país por ser uma solução de baixo custo capaz até de reduzir a incidência de pandemias provocadas pelo consumo de água contaminada. Além disso, o fato do barro ter propriedades que facilitam a evaporação e a manutenção de temperatura da água, o tornou um sucesso.
Buscando facilitar o acesso à água, algumas comunidades tradicionais de artesanato que já trabalhavam com peças utilitárias de cerâmica, passaram a moldar os filtros de forma artesanal. “Neste processo, os artesãos começaram a incluir suas identidades nestas peças que, hoje, ganham várias interpretações artísticas que se inspiram no cotidiano e em elementos que acabam sendo uma expressão da cultura local”, completa Lucas.
Abaixo, conheça quatro filtros contemporâneos que têm mantido e atualizado esta tradição brasileira.
Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais
Os filtros tradicionais do Jequitinhonha recebem pinturas florais, comuns a outras peças utilitárias. Mais recentemente, algumas artesãs passaram a fazer peças em formato de cactos – Fotos Paiol + Alexandre Disaro
Considerada durante muitos anos uma das regiões mais pobres do Brasil, o Vale do Jequitinhonha, no norte do estado de Minas Gerais, também é reconhecido por ser um dos principais redutos artesanais do país. Com famílias que vivem do artesanato há cerca de seis gerações, por lá, o barro dá vida a bonecas, potes, moringas, louças, peças decorativas e os mais variados tipos de filtros. Sua estrutura segue os modelos tradicionais, com dois reservatórios de cerâmica sobrepostos e uma vela interna que, geralmente, têm carvão ativado para retirar impurezas. Porém, sua estética tem diversas variações.
Os mais conhecidos carregam volutas e temas florais, comuns a outros trabalhos utilitários encontrados na região. Mais recentemente, por meio da colaboração com designers, os artesãos também passaram a produzir peças com diferentes características, como os filtros de cactos, e outros com linhas mais retas, fugindo das formas circulares e arredondadas mais utilizadas. Algo que se mantém como característica local é a pintura com pigmentos naturais, que segue uma paleta de cores extraída das diferentes tonalidades de barro da região.
Onde encontrar: @lojapaiol e na @tokstok
Jaboticabal, interior de São Paulo
Com tons de terracota e linhas vermelhas, filtro São João é o mais popular nas casas brasileiras – Foto Cerâmica Stéfani
A cidade de Jaboticabal, na região de Ribeirão Preto, abriga a sede da fábrica que mais popularizou o uso dos filtros de barro. Fundada em 1947, pelos irmãos De Stéfani, a Cerâmica Stéfani é a responsável pelo filtro São João, que se tornou um ícone consagrado por suas curvas e cores originais com tons em terracota e linhas vermelhas.
Algumas características da produção – que começou de forma manual – se mantêm firmes há cerca de 77 anos, mas hoje o processo também já abriga etapas industriais que usam a tecnologia para manter a qualidade das peças.
Onde encontrar: @ceramicastefanisa
Serra da Capivara, Piauí
Filtros da região recebem impressões que remetem às pinturas rupestres encontradas no maior sítio arqueológico das Américas – Fotos @amantiquira
A Serra da Capivara, no Piauí, também é reconhecida por sua produção cerâmica. A região, que compreende os municípios de Raimundo Nonato, João Costa, Brejo do Piauí e Coronel José Dias, no sudeste do estado, é famosa por abrigar o Parque Nacional Serra da Capivara, maior conjunto de sítios arqueológicos das Américas. Em Coronel José Dias, em 1994 foi fundada a empresa Cerâmica Artesanal Serra da Capivara, um projeto que buscava trazer visibilidade para o parque, para as pinturas rupestres e para a prática do artesanato com cerâmica.
A arqueóloga Niéde Guidon, que descobriu os sítios arqueológicos da região, também foi uma das principais responsáveis pela abertura da empresa. A cientista entendeu a importância do artesanato para fortalecimento do território e das pessoas que ali estavam. Hoje, a impressão das pinturas rupestres do parque em pratos, copos, jarras, vasos, panelas e filtros são a marca registrada das peças da região.
Onde encontrar: @amantiquira
Recreio, Minas Gerais
Recreio já foi um grande pólo de produção cerâmica. Hoje, duas amigas de infância retomam esta tradição artesanal local, trazendo uma nova estética – Fotos @daterra_ceramica
Localizada na zona da mata mineira, a cidade de Recreio abrigou por muitos anos um grande polo industrial de cerâmica, sendo uma das principais regiões produtoras de filtros de barro. Apenas da marca IDEAL – uma das líderes do mercado até meados dos anos 2000 – eram produzidos cerca de 30 mil filtros por mês. Hoje, a produção local caiu drasticamente, visto que boa parte das grandes indústrias fechou as portas.
Imersas neste universo desde crianças, as amigas de infância Giany Andries e Keyla de Morais, há cerca de três anos, abriram o ateliê Da’Terra Cerâmica que, em menor escala, busca continuar a tradição local. Dentre as peças utilitárias, os filtros passaram a chamar a atenção por uma estética que ressalta elementos da natureza, figuras religiosas e cores chamativas conquistadas a partir de um processo natural de pigmentação e vitrificação. Carpas, ipês, folhas de bananeira, entre outros elementos compõem algumas peças feitas a partir da modelagem com as mãos e com o torno manual.
Onde encontrar: @daterra_ceramica
Fonte: Bacuri Comunicação