Com diferentes técnicas e estilos, eles produzem obras com referências desta corrente artística que exalta as raízes folclóricas do sertão nordestino

Criado em Recife no ano 1970 e prestes a completar 54 anos, o Movimento Armorial continua como uma forte referência nas representações artísticas do nordeste. Encabeçado pelo escritor, filósofo e artista paraibano Ariano Suassuna – que completaria 97 anos no dia 16 de junho – o movimento buscou trazer uma arte erudita a partir de elementos da cultura popular do sertão. Desde então, esta corrente tem tido grandes referências como o Quinteto Armorial na música, o próprio Ariano na literatura, Gilvan Samico e Mestre J. Borges na artes plásticas, além de também ter chegado ao cinema, à dança, ao teatro, entre outras manifestações.

Mais de meio século depois, as cantigas populares, as festas locais, os livretos com a literatura cordel, a vida no campo e, até mesmo a fé, continuam sendo representados por artistas contemporâneos. “O lado encantador do movimento armorial está em sua capacidade de fazer com que os artistas locais passassem a olhar para o seu próprio cotidiano com orgulho, considerando a beleza, as mazelas, a explosão de cores, a sonoridade e a visão daqueles que vivenciam diariamente o sertão. Os artistas aqui selecionados representam muito bem essa atmosfera”, completa Lucas Lassen, que é curador de arte popular e diretor criativo da Paiol, marca que trabalha com dezenas de artistas da região.

Buscando integrar estas referências tipicamente brasileiras ao universo da decoração, a CASACOR São Paulo, um dos principais eventos do setor na América Latina, apresenta na edição de 2024 a exposição Ecos Armoriais, que reúne obras de cerca de 25 artistas e designers brasileiros que, de alguma forma, se inspiram em referências do movimento. “Nesta mostra, nós trazemos um recorte atual do nordeste, por isso, nossa premissa era de que fossem artistas diversos e que estivessem vivos e produzindo. Também buscamos trazer diferentes técnicas e manifestações visuais, com peças de design, pintura em parede, xilogravuras, poemas, entre entras”, afirma Pedro Ariel, que assina a curadoria da exposição ao lado de Rodrigo Ambrósio.

Abaixo, conheça um pouco mais de alguns dos artistas que representam os elementos armoriais em diferentes tipologias.

De Caruaru, Leonildo da Silva, 59 anos, dificilmente seguiria qualquer outra profissão que não fosse a de artista. Além de ter nascido em Alto do Moura, bairro que é o maior centro de artes figurativas da Américas, ele é filho de Luiz Antônio da Silva, 89, mestre artesão que é Patrimônio Vivo do estado de Pernambuco por sua grande contribuição artística à região.

Seguindo os passos do pai, Leonildo começou a criar peças de barro por volta dos 10 anos de idade, também retratando o cotidiano nordestino, com figuras humanas, carros de boi, festas da região, entre outras coisas. Mais recentemente, incentivado pelas comemorações dos 50 anos do movimento armorial, ele passou a criar algumas obras com referências do folclore local, como a Onça Caetana, reconhecida por suas asas. “O armorial é parte da nossa vida. O cordel e as histórias são uma grande fonte de inspiração não só para mim, mas para toda a minha família e também para outros artistas locais”, afirma ele, que tem três filhos também artesãos e se anima com a possibilidade de começar a ensinar os netos.

Nascida em Recife, Alcione Freitas, 43 anos, é a única na família a viver da arte, mas se lembra que praticamente todas as mulheres da família fizeram ou fazem algum trabalho manual, como costura e bordado. Moradora de Paulista, na região metropolitana da capital pernambucana, ela tem formação em Pedagogia, porém ela mesma prefere a definição de artista e artesã. Sua entrada neste universo se deu pelo desenho, passou pela pintura e, mais tarde, migrou para o papel machê e a papietagem, que acabaram se tornando sua principal fonte de renda.

Com técnicas que misturam modelagem e pintura, ela costuma aproveitar resíduos sólidos, fazendo a reciclagem e reaproveitamento de embalagens plásticas, garrafas pet, rolos de fitas e diferentes tipos de papel. Inspirada pelas comemoração dos 50 anos do movimento armorial (em 2020) e incentivada pela Fenearte, principal feira de arte popular do Brasil, começou a produzir a Boneca de Roca e o Anjo Armorial, dois elementos sempre presentes no movimento. Feitas de papel, a partir da pintura, as obras mantêm sua leveza, mas parecem ser produzidas em cerâmica. “Além do Suassuna, eu gosto muito da Zélia de Lima, esposa dele, e do Xilogravurista Gilvan Samico, outra grande referência ao lado de Ariano”, completa.

Nascido em Tracunhaém, no interior do Pernambuco, Joaquim Alves Pereira começou no artesanato por influência familiar. Segundo ele, a modelagem do barro está presente na família desde sua bisavó, que produzia panelas. Reconhecido como um dos principais artistas pernambucanos na arte do barro, ele começou ainda na infância e desenvolveu um estilo próprio capaz de diferenciá-lo, sobretudo com a criação da Árvore da Vida, peças que retratam figuras religiosas em uma árvore.

Joaquim também produziu cerca de 200 esculturas para o Castelo Armorial, construção inaugurada em 2017, que fica na cidade de São José do Belmonte e que exalta o movimento e o trabalho de artistas ligados a esta corrente artística. Mais recentemente, a a pedido de Lucas Lassen, da Loja Paiol, ele retomou diversos personagens como a imagem de Nossa Senhora, o Diabo, a Onça, entre outras peças que estão diretamente ligadas ao folclore sertanejo.

Filho caçula de J. Borges, Bacaro Borges – hoje com 23 anos – começou a produzir as primeiras matrizes e impressões por volta dos 5, com auxílio do pai e dos irmãos mais velhos. Com seu próprio ateliê, embora ele tenha o próprio pai como principal inspiração, ele também gosta de ressaltar as diferenças entre suas produções. “O que nos diferencia é a vivência. Parte da arte do meu pai apresenta histórias contadas há mais de 60 anos. E mesmo que eu tenha um traço que retrata o nordeste de forma muito parecida com a dele, percebo que tenho inspiração no hoje, nas demandas sociais, na política e outros temas mais atuais”, revela o artista.

Uma de suas obras mais recentes retrata o encontro de J. Borges com Suassuna, dois grandes expoentes que têm utilizado diferentes técnicas artísticas para deixar o nordeste marcado na cultura e no imaginário popular brasileiro. A obra, que foi feita a pedido de Lucas Lassen, curador de arte popular, tem uma tiragem de apenas 100 unidades.

 

Fonte: Bacuri Comunicação

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