Do cuidado em casa à identificação de sinais, instituição destaca a importância do diálogo constante
Durante as festas de fim de ano, momentos de celebração que reúnem amigos, familiares e conhecidos, geralmente nunca são vistos como sinal de perigo, mas fatores como o consumo excessivo de álcool e a distração dos responsáveis podem, infelizmente, criar condições propícias para casos de violência sexual infantil. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023, em 2022, foram registrados mais de 51 mil casos de abuso sexual contra crianças e adolescentes de 0 a 17 anos. Entre as vítimas, 86,1% conheciam seus agressores, e em 64,4% dos casos, os autores eram familiares.
O mesmo relatório aponta 1.630 casos de disseminação de pornografia infantil e 889 de exploração sexual infantil. Mesmo com a gravidade do problema, estimativas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada indicam que apenas 8,5% das ocorrências chegam a ser denunciadas, evidenciando a subnotificação e a necessidade de maior conscientização sobre o tema.
Diante dessa realidade, a ONG Ficar de Bem, dedicada à proteção integral de crianças e adolescentes e à defesa de seus direitos, enfatiza a importância da educação e conscientização como principais formas de prevenir o abuso sexual. A instituição explica que é fundamental conversar com as crianças sobre seus corpos e consentimento, além de ensinar a identificar comportamentos inapropriados e a comunicar qualquer desconforto a um adulto de confiança.
“Diferentemente do que muita gente pensa, a educação sexual não estimula a criança ou o adolescente a praticar sexo precocemente. Pelo contrário, a educação sexual previne situações de vulnerabilidade, evita relacionamentos sem consentimento, ensina a criança a respeitar seus limites. Criança esclarecida é bem menos vulnerável”, explica Lígia Vezzaro Caravieri, gerente técnica da ONG Ficar de Bem.
A instituição ressalta que é imprescindível que as crianças e adolescentes tenham uma supervisão adequada e que os responsáveis prestem muita atenção a todos os que fazem parte do cotidiano familiar como vizinhos, avôs, primos, tios e amigos. A ONG ainda alerta para sinais que devem ser levados a sério e investigados com cautela para garantir a segurança e o bem-estar de crianças e adolescentes.
“Mudanças de comportamento são frequentemente os primeiros indícios. Uma criança muito falante pode ficar mais quieta, enquanto outra, antes mais retraída, pode se tornar excessivamente comunicativa. Outras mudanças podem ser a recusa em ir à escola, agressividade, tristeza, regressões comportamentais, como voltar a fazer xixi na cama, uso de expressões adultas ou quando a criança deixa de aceitar toques rotineiros, como abraços, que antes eram comuns. Esses pontos merecem atenção”, aponta Lígia.
Muitas vítimas de abuso sexual se calam ou demoram para relatar o que vivenciaram, e isso pode ocorrer por diversos motivos. Em alguns casos, devido à idade ou à falta de consciência corporal, a criança não reconhece que determinados toques são violações. “É importante lembrar que o abuso sexual não se limita ao contato físico, outros atos realizados diante de uma criança também configuram importunação sexual e são crimes”, complementa Lígia.
Em outros casos, a criança sabe que a situação é errada, mas teme o agressor, especialmente se ele for uma figura de autoridade ou o principal provedor financeiro da família, como um pai ou padrasto. É importante lembrar que mulheres também abusam sexualmente. Além disso, o vínculo emocional que muitas vezes existe entre a vítima e o abusador pode dificultar ainda mais a denúncia, gerando sentimentos de medo, culpa ou confusão.
“Para romper o silêncio, é preciso dialogar constantemente com a criança e ensinar sobre consciência corporal, ajudando-a a diferenciar um gesto de carinho de uma situação de abuso. E novamente, é fundamental que ela tenha um adulto de confiança para relatar qualquer desconforto. Ao ouvir um relato de abuso sexual, o mais importante é acreditar na criança, manter a calma e evitar qualquer tipo de julgamento”, afirma Lígia.
A ONG Ficar de Bem revela que em muitos casos, as mães de vítimas de abuso também necessitam de apoio psicológico para romper o ciclo de violência e acreditar nos relatos de seus filhos, especialmente quando o agressor é o próprio companheiro, o que muitas vezes dificulta o reconhecimento da situação. “Apesar de milhares de crianças e adolescentes estarem expostos à violência dentro de suas próprias casas, isso não pode ser motivo para que seus direitos sejam ignorados. Caso presencie qualquer tipo de violência física, sexual ou psicológica contra uma criança ou adolescente, é fundamental denunciar”, finaliza.
Como denunciar
Denúncias de violência sexual podem ser realizadas de forma anônima pelos canais Disque 100, 180 ou 190, que direcionam as informações aos órgãos competentes, como a polícia ou o Ministério Público. Também é possível registrar a denúncia diretamente em uma delegacia, em uma Promotoria de Justiça local, ou buscar o Conselho Tutelar mais próximo para obter orientações e apoio.
A partir da denúncia, cada caso vai ser encaminhado conforme a situação, com registro de boletim de ocorrência, pedido de medidas protetivas para a criança (se necessário), depoimento especial da vítima, encaminhamento para atendimento de assistência social e profilaxia contra doenças e interrupção de uma gravidez, se for o caso.
Sobre Ficar de Bem
A Ficar de Bem é uma organização não governamental, sem fins lucrativos e sem vínculos políticos ou religiosos, que há 36 anos defende os direitos e oferece apoio integral a crianças, adolescentes e suas famílias vítimas de violência física, psicológica, sexual e negligência. Fundada em 1988 como CRAMI – Centro Regional de Atenção aos Maus Tratos na Infância do ABCD – pelo pediatra Dr. Emílio Jaldin Calderon, a instituição atualmente é presidida pelo empresário Evenson Robles Dotto e conta com núcleos de atuação em Santo André, São Bernardo do Campo e Diadema. Com 18 projetos voltados para prevenção, acolhimento e suporte social, além de coordenar o Bom Prato na região do ABC, a ONG mantém parcerias com o poder público que possibilitam a ampliação e sistematização do atendimento, rompendo ciclos de violência e promovendo relações de cuidado e respeito. Reconhecida por sua transparência e eficiência, a Ficar de Bem possui certificações e prêmios e é declarada Utilidade Pública em níveis municipal, estadual e federal, atuando conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), reafirmando seu compromisso com uma sociedade justa e igualitária. Além disso, a instituição está terceiro ano consecutivo na lista das 100 melhores ONGs do Brasil.
Fonte: Maxima SP