Por Dra. Ana Falcão Gierlich, advogada e criadora do Programa Dentista Faz Direito
A relação entre o cirurgião-dentista e o paciente é, antes de tudo, alicerçada na confiança. Ao buscar atendimento odontológico, o paciente não compartilha apenas sintomas bucais — ele revela aspectos íntimos de sua saúde, vida pessoal, condição financeira e até emoções que podem influenciar diretamente no êxito do tratamento. Nesse cenário, o sigilo profissional se destaca como um dos fundamentos da ética odontológica. Mais do que uma formalidade ou um protocolo, trata-se de um direito essencial do paciente e de um dever inegociável do profissional. Compartilhar resultados de tratamentos, imagens de antes e depois, depoimentos de pacientes ou até mesmo capturas de tela de conversas pode parecer inofensivo, e até uma estratégia de marketing. No entanto, sem os devidos cuidados, essas práticas envolvem sérios riscos éticos e jurídicos.
Em tempos de redes sociais, é fácil ultrapassar a linha tênue entre a divulgação profissional e a violação do sigilo. Mesmo quando feitas de forma anônima, essas atitudes são vedadas pelo Código de Ética Odontológica. Qualquer informação que permita a identificação do paciente, sem autorização expressa, é proibida e sujeita a sanções. E vale o alerta: mesmo que o rosto não esteja visível, elementos como a voz, tatuagens, características físicas ou detalhes específicos do caso clínico podem configurar exposição indevida. A infração não depende de intenção — ainda que o profissional não tenha tido o propósito de expor alguém, o simples ato de tornar a informação pública já caracteriza violação da confidencialidade. E, com isso, as penalidades poderão ser aplicadas.
O respaldo legal para a proteção do sigilo profissional está previsto em diversas normas importantes, incluindo a Constituição Federal, o Código de Ética Odontológica (Art. 14), o Código Penal (Art. 154), o Código de Defesa do Consumidor e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). A quebra desse sigilo pode acarretar consequências graves para o cirurgião-dentista, como penalidades éticas aplicadas pelos conselhos profissionais, ações judiciais com possibilidade de indenizações por danos morais, sanções administrativas previstas na LGPD, incluindo multas milionárias, e até responsabilização criminal, com pena de detenção ou multa. Ou seja, mais do que uma questão ética, a exposição indevida de informações do paciente representa um risco jurídico concreto, tanto para o profissional quanto para a clínica. A Resolução CFO-196/2019, por sua vez, regulamenta a utilização de imagens em redes sociais, autorizando a divulgação apenas quando houver consentimento prévio do paciente, formalizado por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Entretanto, há situações específicas em que a confidencialidade pode ser rompida, desde que com base legal e de forma controlada. É o caso da comunicação de doenças de notificação compulsória, da participação em perícias judiciais, da defesa do profissional em processos, como cobranças de honorários ou de denúncias relacionadas à proteção de crianças, idosos ou pessoas com deficiência. Nesses casos, o dentista deve agir com extremo cuidado, limitando-se a informar apenas o que for estritamente necessário, sempre preservando ao máximo a dignidade e privacidade do paciente. Afinal, o sigilo profissional é mais do que silêncio: é respeito, segurança e ética na prática clínica.
Além da obrigação legal, preservar o sigilo é também uma forma de acolher. O paciente que chega ao consultório, muitas vezes em dor ou desconforto, precisa se sentir seguro para compartilhar o que sente sem medo de ser exposto. O respeito à sua privacidade fortalece a relação de confiança e contribui para um atendimento mais humano e eficiente. Para promover essa segurança, o dentista deve adotar medidas no dia a dia, como proteger o acesso a prontuários físicos e digitais, treinar a equipe sobre confidencialidade, evitar comentários sobre pacientes fora do ambiente clínico e garantir que qualquer divulgação ocorra somente com consentimento formalizado.
Por fim, num cenário em que a judicialização da odontologia cresce e a reputação profissional depende também da conduta ética, é essencial que os dentistas saibam que o sigilo profissional é um dever profissional e um direito do paciente. Conhecer a legislação, revisar processos internos e adotar práticas seguras não apenas evita riscos, mas fortalece a imagem do consultório diante dos pacientes.
*Ana Falcão Gierlich é advogada, especialista em Direito Médico e Bioética pela Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, especialista em Direito Médico, Odontológico e Hospitalar por meio da Escola Paulista de Direito e Mestranda em Direito Médico e Odontológico no São Leopoldo Mandic, e membro da Comissão de Direito da Saúde da OAB SP (triênio 2022/2024).
Fonte: Assessoria de Imprensa