A CPI da Pandemia voltou sua atenção, nesta quinta-feira (2), para as denúncias de corrupção no sistema de saúde do Distrito Federal. O ex-secretário de Saúde do DF Francisco Araújo Filho depôs durante a tarde depois que a comissão de inquérito não conseguiu ouvir o advogado Marconny Nunes Ribeiro Albernaz de Faria, acusado de ser lobista da Precisa Medicamentos.

Integrantes da CPI e os três senadores da bancada do Distrito Federal no Senado — Izalci Lucas (PSDB), Leila Barros (Cidadania) e Reguffe (Podemos) — pressionaram a testemunha por pouco mais de três horas e ouviram Francisco Araújo Filho alegar inocência da acusação de ter liderado a compra superfaturada de testes de qualidade duvidosa para detecção de covid-19. Faria disse ainda que sua indicação ao comando da pasta foi técnica, e não política; negou conhecer o líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), ou ter qualquer relação com o Partido Progressista.

Mesmo amparado por um habeas corpus dando-lhe o direito de não se incriminar, o ex-secretário respondeu à praticamente todas as perguntas dos parlamentares e só não falou sobre algumas poucas questões que considerou não ter pertinência com a pandemia e com os cinco meses em que foi titular do cargo.

Sono tranquilo

O depoimento não convenceu Izalci Lucas, que assumiu a relatoria no lugar de Renan Calheiros (MDB-AL) na reunião desta quinta-feira. Depois de apresentar um organograma com supostos envolvidos em irregularidades, o parlamentar constatou ter havido grande esquema de corrupção em âmbito local, com modo de atuação semelhante no Ministério da Saúde.

A primeira pergunta de Izalci foi se Francisco Araújo Filho conseguia dormir tranquilo sabendo que milhares de pessoas morreram e outras tantas fizeram testes sem qualidade no Distrito Federal. A indagação causou protesto da defesa da testemunha, que considerou um deboche e lembrou que o habeas corpus lhe garantia um tratamento “civilizado e sem ironia”.

“Quando eu perguntei se ele conseguia dormir, era por isso. Pessoas fizeram o teste, saíram com o resultado negativo nas mãos e [os testes] não valiam  absolutamente nada. É lamentável o que ocorreu no DF. Não é brincadeira, nem insinuação” afirmou Izalci.

O senador quis detalhes também sobre a participação do ex-secretário no processo de contratação da empresa MV Sistemas para o gerenciamento dos hospitais do Distrito Federal. Segundo Izalci, a empresa foi contratada por R$ 100 milhões em uma licitação supostamente direcionada pelo empresário John Kennedy Braga, que seria ligado ao governador do DF, Ibaneis Rocha.

“O sistema MV está nos maiores hospitais do país. Quando cheguei, o sistema já estava implantado no Iges [Instituto de Gestão Estratégica de Saúde do Distrito Federal]. Não teve contratação. O sistema lá já estava. Não existia nenhum processo. Hoje temos o sistema Track Care nos 15 hospitais da rede”, disse Francisco.

Precisa

Indagado pelos senadores por várias vezes, o ex-secretário disse não conhecer Francisco Maximiano, sócio-proprietário da Precisa Medicamentos. O depoente negou ainda que a empresa tenha apresentado proposta fora do prazo de licitação para compra de testes rápidos, depois de questionado pela senadora Leila Barros.

O ex-secretário explicou que a intenção inicial era a compra de 50 mil testes, que não se mostraram suficientes; por isso, ele cancelou e reabriu a aquisição de 300 mil unidades. Sete empresas participaram do procedimento, todas em condições de igualdade, das quais três saíram vencedoras: a Precisa ficou responsável pela entrega de 150 mil; e as outras duas empresas, com 50 mil cada uma.

“Tenho a minha consciência tranquila e em paz de que não há e nem haverá a minha digital em nenhum só lugar em relação à Precisa. Tenho maturidade e experiência para seguir o edital da secretaria. Vou provar minha inocência. Vou me defender com minha dignidade intacta”, afirmou o depoente.

Brinquedos

O senador Reguffe, por sua vez, apresentou auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) que aponta indício de irregularidade na escolha de uma empresa de brinquedos, a Luna Park Brinquedos, para aquisição de testes para detecção de covid-19. Segundo o parlamentar, a empresa também não teria ofertado o produto com o menor preço no processo.

A testemunha respondeu que não era papel dele “verificar nome social” e que outras dez empresas participaram do certame. Durante o processo, disse Francisco Araújo Filho, empresas que entraram com menor preço, na hora da compra não tinham o produto disponível, e o governo teve que recorrer a outra oferta.

Reguffe também questionou o fato do ex-secretário ter recorrido ao Supremo por habeas corpus e criticou Ibaneis Rocha, que o manteve no cargo por 21 dias mesmo depois de preso. O parlamentar ainda o condenou por não ter informado ao governador que é alvo de um processo por improbidade administrativa relativo a seu período como secretário de Assistência Social de Maceió (AL).

Prisão

No início do interrogatório, ao responder Renan Calheiros (MDB-AL) sobre sua prisão em agosto, na Operação Falso Negativo, Francisco reiterou a defesa de sua gestão:

” Durante cinco meses que estive à frente da Secretaria de Saúde, recebi vários políticos preocupados com a covid-19. Fui bombardeado com mais de 270 ofícios do Ministério Público, sofri três buscas e apreensões. A terceira culminou com a prisão da cúpula [da secretaria]. No meio disso saímos para a menor letalidade do país, oxímetro em todas as unidades básicas, maior cobertura de leitos… “, defendeu-se.

Renan interrompeu a testemunha para dizer que os números não eram verdadeiros:

“Não vou ficar aqui discutindo cinco meses. Se seus cinco meses, de uma forma ou de outra, afetaram no desempenho ou não, é outra pergunta. O fato é que o senhor não pode exibir esses números, que é uma tentativa de enganação daquilo que aconteceu.”

 

 

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