Devoção à Nossa Senhora dos Navegantes era realizada em fevereiro, fez parte do calendário turístico do Estado e foi suspensa para denunciar a poluição e o assoreamento da represa
Durante anos, em fevereiro, a represa Billings foi palco da maior festa de devoção à Nossa Senhora dos Navegantes em Diadema, a procissão náutica. Porém, o festejo foi suspenso devido ao assoreamento do reservatório.
Com a construção da represa, finalizada em 1937, o Sítio do Buraco foi loteado com o nome de Eldorado e o bairro cresceu em função das águas, atraindo pessoas que iam andar de barco, pescar, fazer piquenique e praticar esportes náuticos. Eram estaleiros, restaurantes e pensões para aqueles que chegavam da capital para lá passar o final de semana.
A comunidade, no entanto, estava distante dos atos religiosos da igreja Imaculada Conceição, que ficava nas proximidades da rua Manoel da Nóbrega, na área central, e se organizou em torno da Sociedade Amigos do Eldorado para a construção da igreja em terreno doado pelo Dr. Olavo Lacerda de Camargo, um dos loteadores do bairro.
A bênção do templo e da imagem da santa foi feita pelo bispo auxiliar Dom Paulo Rolim Loureiro em no final de 1953, e padre Carlos Coruzzi, da igreja matriz, passou a oficiar as missas ali realizadas. A padroeira escolhida foi Nossa Senhora dos Navegantes, a protetora das águas e dos que nela se aventuram, e o dia escolhido foi 2 de fevereiro. A missa em louvor à santa passou a ser realizada no domingo mais próximo dessa data, quando também era realizada a procissão náutica; afinal, a igreja ficava a menos de 100 metros da represa.
A imagem saía da igreja em um andor e era colocada em barco seguido por dezenas de outros com fiéis de velas acessas, e na volta havia a missa seguida de quermesse com barraquinhas enfeitadas e renda revertida para a igreja.
Comunidade
A festa envolveu a comunidade. Desde 1958, o encarregado da procissão passou a ser Antônio Zuliano, que emprestava um dos seus barcos de passeio para levar a imagem da santa. André Mussolino, da Sociedade Amigos do Eldorado, teve papel significativo na festa, que cresceu e passou a fazer parte do calendário turístico estadual a partir de 1972. A festa ganhou importância e chegou a ser o mais tradicional evento turístico e religioso da região.
Mas, a poluição das águas da represa com a reversão do rio Pinheiros e o assoreamento da prainha em razão da ocupação dos morros acabaram por inviabilizar a procissão náutica e, em seguida, a própria festa. Em depoimento ao Centro de Memória, o comerciante Jorge Ubirajara Cardoso Proença lembrou que “a represa começou a ficar com o mesmo cheirinho que sentia no rio Tietê quando era criança, e comecei a ver o ‘jacinto do Nilo’, aquele aguapé que só dá em água poluída”.
Em 1969 foi criado o Comitê em Defesa da Billings para lutar pela despoluição da represa e pela qualidade da água para abastecimento público, mas não conseguiu acabar com o bombeamento da água podre de esgoto e de produtos químicos para a represa. A água, que antes servia a todos, agora assustava, e a poluição afetou pescadores, barqueiros, restaurantes e donos de pensões, e desvalorizou o condomínio de luxo Praia Vermelha.
Em 1978, Frei Ambrósio concordou em fazer a festa naquele ano, mas decidiu que ela seria interrompida como forma de denunciar o governo estadual pelo bombeamento de esgoto na represa. Assim foi feito, e por longos 17 anos a região ficou sem sua festa religiosa.
Com a recuperação parcial da represa, a festa de devoção à santa retornou em grande estilo em 1995, quando mais de duas mil pessoas participam da 22ª procissão. Foi realizada missa em ação de graças pelo início do trabalho de despoluição, e no ano seguinte houve a retomada da procissão náutica.
Preservação
Com o passar dos anos, o assoreamento dificultou a procissão náutica, colocando um fim no desfile dos barcos decorados, e em contrapartida os festejos passaram a contar com atividades de preservação, corte de mato e recolhimento de lixo acumulado na prainha do Eldorado