Com origens europeias no século 17, clubes sociais desempenham um papel fundamental na organização de cidadãos até os dias de hoje. Sedes amplas, locais equipados para o lazer e exercícios físicos, salões de festas: toda uma estrutura gerida e mantida por seus membros em prol daquela comunidade.
No entanto, reportagem publicada por João Batista Jr., pela Revista Piauí, trouxe potenciais inefetividades na prevenção de assédios morais e sexuais em um dos principais clubes paulistas. O desafio para apuração de desvios comportamentais em clubes sociais deriva da própria natureza da instituição: fundados com base na fraternidade, autoproteção e cooperação, muitos casos podem acabar acobertados com base numa interpretação errônea desses valores.
Para evitar esse cenário, ter uma forte cultura pautada em princípios éticos e um programa de integridade que a proteja proporciona uma medida essencial para a segurança do ecossistema que inclui seus membros e funcionários. O que, de forma não exaustiva, previne danos reputacionais e mitiga riscos jurídicos. Um programa de ética (integridade ou de compliance) é um conjunto coeso de sistemas de controle organizacional com foco em evitar comportamentos antiéticos, com sua efetividade ligada diretamente à devida aplicação desses sistemas, chamados de componentes.
Em primeiro lugar, é essencial que haja documentos formais para o estabelecimento de consenso entre os membros do que é considerado ético, do que será feito na ocorrência de comportamentos antiéticos, de como serão investigados esses casos, e a escolha daqueles que o investigarão.
Em muitos casos, organizações se preocupam apenas em construir e ter um código de ética, que tem como foco proporcionar clareza ao definir padrões comportamentais aceitos e a definição estrutural de um departamento de conformidade. No entanto, ele não cumpre todas as funções, uma vez que políticas de responsabilidade para membros (em caso de descumprimento do próprio código) e políticas de investigação e correção que lidem com a apuração de denúncias, também devem ser listadas e conhecidas por motivos de transparência para aplicação de normas, de direcionamento para os envolvidos na operação/apuração e a proposição de uma lógica interna para todo o programa.
Cada um desses documentos cumpre função essencial no processo de estabelecimento das bases éticas da organização, como guias que podem ser revisitados, revisados e cobrados em situações práticas.
A partir (e de modo conjunto) desses documentos, um ponto decisor ético deve atuar para a coordenação de atividades e priorização de demandas. O comitê de ética deve contar com uma estrutura adequada à composição do clube, com participação ativa da própria comunidade, pessoalmente e através de conselheiros. Esse comitê deve ser a força motriz e motivadora por detrás do desenvolvimento e da implementação do programa, coordenar suas atividades, comunicar seus avanços, aprimorar processos e resolver conflitos éticos. Sua atuação deve ser fiscalizada por todos e contar com altos níveis de transparência, com gravação de sessões ou redação de atas, bem como ser protegida de fatores externos e conflitos de interesses que podem destruir qualquer independência e isonomia no processo de avaliação do programa e de avaliações de conduta.
Após a construção de bases formais e da instituição dos responsáveis (com esses apontando o caminho a ser seguido para um clube mais ético), é hora de comunicar essa nova etapa a todos os membros. Treinamentos e comunicações tempestivas ajudam a esclarecer as documentações e a disseminar a cultura de forma efetiva, fornecem orientações e aprimoram a capacidade de reconhecer questões éticas em situações diárias. A formação em ética cria um ambiente propício à identificação e à discussão de dilemas éticos. Todos os membros podem compartilhar preocupações, aprender com as experiências uns dos outros e buscar orientação quando confrontados com questões complexas. Isso contribui com uma cultura de abertura e aprendizado na organização.
Além das estruturas formais (Código e Políticas), operacionais (Comitê) e de engajamento (treinamento e comunicação), também devem existir componentes que dizem respeito à avaliação da situação ética de uma organização: o monitoramento e a auditoria. O monitoramento interno engloba a análise recorrente de práticas e comportamentos éticos, construído por meio de softwares e empresas especialistas na sua utilização.
Exemplos envolvem testes de integridade aplicados a colaboradores e membros para avaliar a percepção ética frente a decisões concretas e plataformas de diligências para verificar antecedentes processuais (criminais ou não), bem como a existência de fatores de pressão (como dívidas) que podem levar a chantagens por parte de terceiros mal-intencionados.
Já a auditoria, dentro desse contexto de implementação de programas em clubes, cumpre um papel fundamental na avaliação da efetividade do sistema como um todo. Se o acobertamento de situações antiéticas/criminosas existe em razão de um conflito de interesses ou de fatores pessoais, uma auditoria pode revisar todos os processos, identificar áreas de não conformidade e sugerir melhorias para o comitê (devidamente acompanhado por membros).
A auditoria e o monitoramento devem ser conduzidos por profissionais que possuam completa independência do processo, por vezes conduzido por profissionais de auditoria interna e outras por empresas que garantam essa prerrogativa. De igual modo, a operação de um canal de denúncias externo garante maior isonomia e conforto para que o denunciante compartilhe informações sem a preocupação de ser identificado e sofrer retaliações. A existência de uma linha institucional segura de comunicação de situações antiéticas/criminosas serve como catalisador de dilemas éticos enfrentados por determinado clube e sinal da efetividade de um programa de conformidade. Através do canal de denúncias, problemas são trazidos à tona e, quando devidamente tratados, permitem o aprimoramento de todos os demais componentes.
A busca por um ambiente seguro e ético demanda ações complexas e avaliação constante. No entanto, é possível alcançá-lo através da fraternidade e da cooperação, valores sob quais os clubes foram fundados.
—
Vinicius Cassimiro Carvalho é contador com pós-graduação em Auditoria, Controladoria e Compliance e formação executiva em Compliance, Investigações e ESG. É sócio fundador da Kassy Consultoria & Gestão Empresarial, empresa especializada em Compliance & Investigação Corporativa e outras áreas de riscos e controles. Fundador da Democratizando, escola de negócios especializada em formar profissionais para as áreas de riscos e governança. Professor convidado na Mackenzie e PUC-Campinas. Membro da ACFE – Association of Fraud Examiners desde 2018.
Fonte: Fischer Comunicação