A Coordenadoria de Igualdade Racial de Diadema (CREPPIR) apresenta a vida e a luta de João Cândido, o Almirante Negro
por Márcia Damaceno, coordenadora da CREPPIR
Este é um texto para apresentar a figura do grande herói João Cândido, o Almirante Negro, que se rebelou contra a Marinha Brasileira pelo tratamento desumano que era oferecido aos marinheiros negros no início do século XX.
João Cândido Felisberto nasceu em 24 de junho de 1880, no estado do Rio Grande do Sul, filho de João Felisberto e Inácia Cândido Felisberto. Aos 13 anos, ingressou na Companhia de Artífices Militares e Menores Aprendizes no Arsenal de Guerra de Porto Alegre.
Em dezembro de 1895 foi transferido para a Marinha do Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, e, ainda com a idade mínima, atuou como grumete, ou seja, aprendiz. Limpava e ajudava outros marinheiros nos mais diversos serviços. Foi assim que teve oportunidade de viajar por vários países, recebendo instrução de procedimentos de navios de guerra e conhecendo os movimentos de marinheiros de outros países, que reivindicavam melhores condições de trabalho e alimentação.
Durante o governo do presidente Hermes da Fonseca, em 1910, a maior parte dos trabalhadores da Marinha eram composta por mulatos, negros, libertos ou filhos de ex-trabalhadores escravizados. As condições de trabalho eram precárias: os marinheiros tinham remuneração baixa, recebiam péssima alimentação durante as longas viagens nos navios e, o mais grave, estavam submetidos a punições corporais, ou seja, chibatas caso desobedecessem a alguma regra.
Conta o registro oficial da época que, no dia 21 de novembro daquele ano, o marinheiro Marcelino Rodrigues de Menezes foi violentamente punido não com 25, mas com 250 chibatadas, na presença de todos os tripulantes.
Esse castigo exagerado culminou em um grande protesto dos marinheiros, que ficou conhecido como a REVOLTA DA CHIBATA, um movimento liderado por João Cândido, que tinha consciência das injustiças cometidas ali e tomou o controle das embarcações. João mandou um telegrama ao presidente exigindo que os castigos físicos fossem abolidos, melhorias na alimentação, salários justos, uma folga semanal para todos os marinheiros e anistia a todos que participaram da revolta. Caso as reivindicações não fossem aceitas de imediato, os marinheiros negros ameaçaram bombardear a Baía de Guanabara, então coração da capital do país.
O desfecho deste episódio foi que o governo cedeu às pressões dos marujos e, em 27 de novembro de 1910, a chibata foi abolida da Marinha de Guerra brasileira. Entretanto, João Cândido, além de preso, foi internado no Hospital dos Alienados, um hospício e expulso da Marinha Brasileira. Com isso, nada recebeu do governo pelo serviço prestado ao mesmo, muito pelo contrário: Ficou marcado na sociedade brasileira, vindo a sofrer dificuldade para encontrar novos serviços e sustentar sua família.
Precisamos entender que o Brasil foi o último país das Américas a abolir a escravidão. Ainda hoje existem pessoas conservadoras e racistas que trazem esse legado odioso de que é normal açoitar pessoas negras. Um exemplo foi o caso do entregador motoboy Max Ângelo dos Santos, que foi agredido com uma correia de cachorro nas costas, enquanto sofria injúria racial por parte da professora de vôlei de praia Sandra Mathias Correia de Sá, de 53 anos.
Outro caso de racismo que aconteceu recentemente voltou a marcar a Marinha Brasileira, em pleno 2024, quando o almirante Marcos Sampaio Olsen criticou o projeto de deputado federal Lindbergh Farias (PT-RJ) que pretende inscrever João Cândido no livro de Heróis da Pátria. O atual comandante da Marinha alega que a revolta “se deu pela ação violenta de abjetos marinheiros”, em violação à hierarquia e à disciplina e que a atuação de Cândido não foi patriótica, nem heroica, mas sim, o rompimento com a hierarquia e a disciplina da Força.
O primeiro reconhecimento de João Cândido chegou na música O Mestre-Sala dos Mares, composta por Aldir Blanc e João Bosco, nos anos 1970, e imortalizada nas vozes de Elis Regina e do próprio João Bosco. Na letra original, João Cândido era o Almirante Negro, o Dragão do Mar, que guiava poderosos navios de guerra com a dignidade de um mestre-sala. Escrita em plena ditadura militar, sob o comando do presidente Ernesto Geisel, a música de Aldir Blanc e João Bosco foi parar na mesa dos censores.
A Letra censurada:
Há muito tempo nas águas da Guanabara
O dragão do mar reapareceu
Na figura de um bravo feiticeiro
A quem a história não esqueceu
Conhecido como navegante negro
Tinha a dignidade de um mestre-sala
E ao acenar pelo mar, na alegria das regatas
Foi saudado no porto
Pelas mocinhas francesas
Jovens polacas e por batalhões de mulatas
Rubras cascatas
Jorravam nas costas dos santos
Entre cantos e chibatas
Inundando o coração
Do pessoal do porão
Que a exemplo do feiticeiro gritava, então!
Glória aos piratas, às mulatas, às baleias!
Glória à farofa, à cachaça, às baleias!
Glória a todas as lutas inglórias
Que através da nossa história
Não esquecemos jamais
Salve o navegante negro
Que tem por monumento
As pedras pisadas do cais
(Mas, salve …)
Este texto, portanto, busca reconhecer e fazer uma justa homenagem ao nosso Almirante Negro. Faz-se necessário que seja revisto o questionamento da Marinha Brasileira e entendido a importância de João Cândido e da Revolta da Chibata ao povo brasileiro. Temos ainda que trabalhar pelo convencimento da Câmara Federal de que os atos de João Cândido foram sim heroicos, uma vez que no Senado o projeto já foi aprovado.
JOÃO CÂNDIDO, O ALMIRANTE NEGRO, HEROI DA PÁTRIA!