Após duas semanas, a CPI da Pandemia retomou, nesta terça-feira (3), os depoimentos, ouvindo o reverendo Amilton Gomes de Paula, responsável por intermediar negociações para compra de 400 milhões de doses de vacinas da AstraZeneca.

A rapidez e a facilidade com que  conseguiu acesso ao governo espantou  senadores da comissão de inquérito, que apontaram para a falta de credenciais de Amilton e para a fragilidade institucional da organização não governamental por ele criada.

Ouvido como testemunha, Amilton negou ter se encontrado com o presidente da República, Jair Bolsonaro, apesar de mensagens trocadas com outros intermediários da Davati mencionarem o suposto encontro.

Negando ter quaisquer contatos no Executivo e com políticos, o religioso, que é presidente da Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários (Senah) — entidade privada — disse que enviou e-mail ao Ministério da Saúde no dia 22 de fevereiro, pedindo uma reunião, e foi atendido no mesmo dia. Às 16h30,  esteve com Lauricio Monteiro Cruz, então diretor de Imunização e Doenças Transmissíveis da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS).

O vice-presidente da comissão, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), foi o primeiro a manifestar estranheza com a situação: “O senhor mandou e-mail às 12h, apontou o horário que queria ser recebido e no mesmo dia isso ocorreu. Queria essa eficiência do governo também com a Pfizer. O que nos espanta é que farmacêuticas de todo o mundo não tiveram esse tipo de tratamento por parte do governo. É um fenômeno isso”, ressaltou.

Os senadores Humberto Costa (PT-PE) e Eliziane Gama (Cidadania-MA) também não acreditaram na versão, segundo a qual obteve acesso ao sem a atuação de intermediários. Assim como o presidente da CPI, senador Omar Aziz (MDB-AM), que lembrou que se ele levasse uma comitiva de prefeitos de qualquer lugar do país ao ministério, teria dificuldade para ter um espaço na agenda, principalmente numa época de pandemia.

“Não acredito que o senhor tenha ido lá sem ninguém dar um telefonema antes. Essa história é muito difícil de acreditar. Não é possível. Então peço que contribua. Tratarmos um assunto tão sério e, se não contribuir, será muito ruim para sua imagem, pois o senhor não começou a ser pastor no ano passado”,   afirmou Omar Aziz.

“Doação”

Amilton Gomes informou já ter sido filiado ao PSL, partido pelo qual Jair Bolsonaro se elegeu presidente, mas não deu detalhes de sua saída da legenda.  O pastor afirmou que acredita ter sido recebido tão rapidamente no Ministério da Saúde em razão da urgência da demanda e da escassez de imunizantes no mundo naquela época.

Confirmou ainda não ter obtido aval de nenhum agente público para negociar vacinas e que o fez por “razões humanitárias”, justificativa que não convenceu o senador Fabiano Contarato (Rede-ES).

“Com todo o respeito, o senhor estava mesmo é de olho na ‘doação’ que a Davati faria à Senah caso o negócio fosse fechado”, opinou.

Amilton Gomes admitiu que haveria uma doação, mas disse que não chegou a tratar de valores com a empresa e nem tinha ideia de quanto seria.

“Fins espúrios”

O reverendo foi apontado pelo PM Luiz Paulo Dominguetti como intermediador entre o governo e a empresa americana Davati Medical Supply, na oferta de vacinas da AstraZeneca ao Ministério da Saúde. Dominguetti relatou à CPI que tinha procurado a Senah para viabilizar o negócio e revelou que o ex-diretor de Logística do Ministério Roberto Ferreira Dias teria exigido US$ 1 de propina para cada dose comercializada.

Apesar de ter Secretaria Nacional no nome, a Senah não tem nenhuma ligação com órgãos públicos, e a AstraZeneca já informou oficialmente que não vende à iniciativa privada e não autoriza intermediários, como a Davati, a negociar seus imunizantes.

Aos senadores da CPI, Amilton Gomes, no entanto, disse que a entidade dele foi usada “de maneira odiosa para fins espúrios”.

“Vimos um trabalho de 22 anos de uma organização não-governamental séria para ações humanitárias jogado na lama. Isso trouxe prejuízo na credibilidade e atingiu seus integrantes nas relações profissionais e familiares”, declarou.

O senador Jean Paul Prates (PT-RN) observou que o próprio nome da Ong criada por Amilton — “Secretária Nacional” — pode apontar para falsidade ideológica. Para o senador, o uso indevido, em seus comunicados, de brasões da República e também da ONU, leva à imediata suspeita de estelionato. Também as instituições com que a Ong de Amilton se comunicava usavam do mesmo expediente, observou o Jean Paul.

Choro

Ao ouvir o governista Marcos Rogério (DEM-RO), Amilton Gomes de Paula chorou, pediu “perdão” pelas negociações frustradas e disse que seu maior erro foi abrir as portas da casa dele em Brasília num momento em que enfrentava a perda de um ente querido e queria vacina para o Brasil.

“Hoje de madrugada, antes de vir, dobrei meus joelhos e orei. Eu queria vacina para o Brasil. Eu tenho culpa, sim. Peço desculpa ao Brasil. (…) Se pudesse voltar atrás eu voltaria. Estou aqui para dizer, quem me conhece sabe, eu doo meu sapato para pessoas carentes. Tudo que eu tinha eu vendi para dar para a igreja. Se pudesse voltar atrás eu voltaria. Peço perdão, mas jamais fraudei ou tirei algo de alguém. Estou aqui para contribuir para o Brasil, sempre”, disse às lágrimas.

O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) disse não se comover com o choro de Amilton.

“Não tem nada de humanitário nesta malandragem, nada. O objetivo aqui era financeiro, escamoteado com o nome de doação. O mais absurdo é o governo brasileiro dar espaço para gente como o senhor, como Dominguetti, como Cristiano. Enquanto as pessoas estavam morrendo, vocês estavam atrás de vantagem financeira. A oferta de vacinas é mentirosa, a conversa fiada de apoio humanitário é mentirosa, tudo atrás de dinheiro, no pior momento da vida do Brasil”,  afirmou Alessandro Vieira.

 

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