O movimento enviou ofício ao Congresso Nacional junto a dezenas de entidades.
O Me Too Brasil assinou ofício que pede a derrubada do veto do presidente Bolsonaro à distribuição de absorventes a estudantes, pessoas de baixa renda e em condições de vulnerabilidade social prevista no Projeto de Lei (PL) nº 4.968/2019, que institui o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual. Encaminhado ao Congresso Nacional nesta quinta (8), o documento foi assinado por dezenas de instituições, organizações e coletivos que manifestam a impropriedade jurídica do veto.
As entidades reafirmam o interesse público envolvido na aprovação da medida e dizem que é inaceitável que o Brasil não possua medidas públicas para combater a situação de pobreza menstrual “que afasta meninas, mulheres e outras pessoas que menstruam do ambiente escolar e de atividades laborais’.
A Diretora Jurídica do Me Too Brasil, Luciana Terra, destaca que o PL atende o acesso universal à saúde, garantido pela Constituição Federal. “É responsabilidade da União, dos Estados e dos Municípios promover o acesso à saúde e o mínimo existencial básico para uma vida digna para todas as meninas e mulheres. O artigo 5º prevê os direitos fundamentais, dentre eles, os da dignidade, da saúde e da igualdade de todas as meninas e mulheres”, disse, lembrando ainda os direitos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente e a signatura do país em tratados internacionais de combate a desigualdade, nos quais se incluem os direitos sexuais das mulheres.
Terra destaca que o argumento orçamentário de Bolsonaro não se justifica, pois o programa atende itens de primeira necessidade. “Com o veto, o presidente vai contra os direitos humanos das meninas e mulheres”, diz.
O ofício afirma que as pessoas mais atingidas com a falta desses itens básicos são as meninas negras, que “sofrem com os impactos cumulativos da ausência das demais políticas públicas, políticas essas que poderiam impactar positivamente a saúde menstrual, como o acesso à água, a saneamento básico, à coleta de lixo e à energia elétrica”. O ofício destaca ainda que o problema dificulta, ainda, o acesso à educação.
As beneficiárias do programa seriam, dentre as mulheres e demais pessoas que menstruam, as estudantes de baixa renda matriculadas em escolas da rede pública de ensino; as pessoas em situação de rua; em situação de vulnerabilidade social
extrema; e apreendidas e presidiárias, recolhidas em unidades do sistema penal ou
internadas em unidades para cumprimento de medida socioeducativa. O PL ainda
previu a inclusão dos absorventes higiênicos como item essencial das cestas básicas,
entregues no âmbito do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, SISAN.
A proposição legislativa foi recomendada pelo Conselho Nacional dos Direitos Humanos (Recomendação CNDH nº 21/2020) com o objetivo de criar um marco legal para superar a pobreza menstrual. Aprovado em agosto pela Câmara dos Deputados e, em setembro, pelo Senado Federal, o programa garante a “oferta gratuita de absorventes higiênicos femininos e outros cuidados básicos de saúde menstrual”, trecho vetado pelo presidente.
LEIA O OFÍCIO:
Aos Excelentíssimos Senhores Senadores e Senhoras Senadoras da República Aos Excelentíssimos Senhores Deputados e Senhoras Deputadas Federais
Ref. Veto presidencial ao Projeto de Lei nº 4.968/2019
As instituições, organizações e coletivos abaixo-assinados vêm, por meio do presente ofício, manifestar a impropriedade jurídica do veto presidencial ao Projeto de Lei (PL) nº 4.968/2019.
Trata-se de proposição legislativa de iniciativa parlamentar, cuja aprovação foi recomendada ao Presidente da República e ao Congresso Nacional pelo Conselho Nacional dos Direitos Humanos (Recomendação CNDH nº 21/2020). O objetivo era a criação de um “marco legal para superar a pobreza menstrual”.
A aprovação do PL na Câmara dos Deputados se deu em agosto de 2021, com a criação do Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual. Ato contínuo, em setembro, o projeto foi aprovado no Senado Federal, para garantir a “oferta gratuita de absorventes higiênicos femininos e outros cuidados básicos de saúde menstrual”.
As beneficiárias do Programa seriam, assim, dentre as mulheres e demais pessoas que menstruam, as estudantes de baixa renda matriculadas em escolas da rede pública de ensino; as pessoas em situação de rua; em situação de vulnerabilidade social extrema; e apreendidas e presidiárias, recolhidas em unidades do sistema penal ou internadas em unidades para cumprimento de medida socioeducativa. O PL ainda previu a inclusão dos absorventes higiênicos como item essencial das cestas básicas, entregues no âmbito do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, SISAN.
Cabe ressaltar que este ofício enfatiza que a superação da pobreza menstrual se efetivará somente mediante o reconhecimento de todas as pessoas brasileiras que menstruam como possíveis beneficiárias do PL em questão, sendo estas mulheres, meninas, homens trans e demais pessoas com útero.
Neste grupo diretamente atingido pela precariedade das condições menstruais, o maior percentual é composto por meninas negras, sendo essas as que mais sofrem com os impactos acumulativos da ausência das demais políticas públicas, políticas essas que poderiam impactar positivamente a saúde menstrual, como o acesso à água, a
saneamento básico, à coleta de lixo e à energia elétrica. Este cenário torna o problema ainda mais agudo ao dificultar o acesso à educação para a população negra, além de repercutir em uma imobilidade social ainda mais exacerbada para um grupo já fortemente oprimido, que vivencia, de forma histórica, condições sanitárias que intensifica, ainda mais, o estado de vulnerabilidade social e economicamente. A pobreza menstrual também é, de fato, uma questão racial.
O acesso a itens para atender às necessidades básicas de saúde é essencial para dignidade humana. A ausência de políticas públicas que assegurem a distribuição gratuita desses bens a mulheres e pessoas que menstruam em situação de vulnerabilidade social e econômica ofende valores constitucionais básicos: a integridade física é colocada em risco, na medida em que se valem de substitutos inadequados para a contenção do fluxo menstrual, como miolo de pão, jornal e tecidos.
O acesso à educação é igualmente comprometido: quatro entre dez estudantes deixam de frequentar a escola em razão da falta de acesso a produtos de higiene menstrual. Como resultado, perdem, por ano, em média, 45 dias de aula. De acordo com o estudo “Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos”, divulgado pelo Unicef e pelo UNFPA, mais de 4 milhões de estudantes frequentam colégios com estrutura deficiente de higiene, como banheiros sem condições de uso, sem pias ou lavatórios, papel higiênico e sabão. Desse total, quase 200 mil meninas e mulheres não contam com nenhum item de higiene básica no ambiente escolar e 713 mil não têm acesso a nenhum banheiro (com chuveiro e sanitário) em suas casas.
Trata-se de um produto cujo consumo é recorrente e obrigatório, diante da falta de substitutos capazes de garantir efeitos similares, para a quase totalidade das mulheres e demais pessoas que menstruam por um longo período de sua vida (em média, 40 anos) em razão de uma característica biológica inafastável. A distribuição gratuita desses bens para meninas, mulheres, homens trans e demais pessoas que menstruam em situação de vulnerabilidade social e econômica e o reconhecimento de sua essencialidade preconiza a isonomia, na dimensão da igualdade de gênero, nos termos do artigo 5º, inciso I da Constituição de 1988, além de colocar em prática mandamentos constitucionais relacionados com o direito à saúde e à educação.
Diante disso tudo, fica claro que as razões apresentadas pelo Presidente da República para o veto ao PL nº 4.968/2019 não se sustentam e sua derrubada, pelo Congresso Nacional, é medida que se impõe.
O interesse público envolvido na aprovação da medida é manifesto. É inaceitável que o Brasil não possua uma medida pública sequer para combater a situação de pobreza menstrual que afasta meninas, mulheres e outras pessoas que menstruam do ambiente escolar e de atividades laborais. A previsão de distribuição gratuita de absorventes por instituições de ensino não conflita com a autonomia de tais estabelecimentos, pois se trata de medida de saúde pública e preservação da dignidade da pessoa humana, que prefere à eventual interesse da administração pública em particular.
Ademais, a alegação de que a criação do Programa em referência conflita com a Lei de Responsabilidade Fiscal – a Lei Complementar nº 101/2000, é absolutamente descabida. Os artigos 2º, § 2º e 6º do PL nº 4.968/2019 preveem, de modo expresso, as fontes de custeio que farão frente às despesas públicas decorrentes da criação do Programa. Além disso, o relatório apresentado pela Comissão de Defesa dos Direitos da Mulheres da Câmara dos Deputados apresentou a estimativa do impacto orçamentário financeiro da medida, em plena observância dos dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Diante do exposto, faz-se necessária a derrubada do veto apresentado pelo Presidente da República, uma vez que dissonante dos valores constitucionais e contrário ao interesse público.
Brasília, 07 de outubro de 2021
Assinam o documento:
Oxfam Brasil
Instituto Ethos
Grupo Mulheres do Brasil
Instituto Para a Defesa dos Direitos Humanos
MeToo Brasil
Visão Mundial
Women in Tax Brazil
Coletivo aBertha
Ladies of Liberty Alliance no Brasil
Instituto Liberta
Elas Discutem
Clínica de Direitos Humanos da Amazônia
Movimento Acredito
Plan International Brasil
Programa Conexões de Saberes da UFMG
Clínica de Direitos Humanos da UFMG
Programa Polos de Cidadania da UFMG
Observatório para a Qualidade da Lei da UFMG
Elas no Poder
Projeto Deixa Fluir
Projeto Dignidade Menstrual
Elas pedem vista
Instituto Serenas
Absorvente das Manas
Instituto de Defesa do Direito de Defesa
Centro de Direitos Humanos de Petrópolis
Vozes da Educação
Coletivo Feminista Várias Marias
Frente pelo Avanço dos Direitos Políticos das Mulheres
Grupo Tributação e Gênero do Núcleo de Direito Tributário do Mestrado Profissional da FGV Direito SP
Grupo de Pesquisa em Direito, Gênero e
Identidade da FGV Direito SP
Grupo de Pesquisa Direito, Economia e
Política da UFPE
Grupo de Pesquisa Tributec
Grupo de Pesquisa Direito e Feminismos da UFRN
Núcleo Tributação, Democracia e
Desenvolvimento da Universidade
Federal de Lavras
Girl Up Brasil
Vote Nelas
Vote Nelas Mauá
Vote Nelas SP
Vamos Juntas
Projeto Luas
Associação Brasileira de Direito Tributário
Grupo de Estudos Tributários da UFPR
Pastoral Carcerária Nacional
Agenda Nacional pelo Desencarceramento
Rede Nacional de Feministas
Antiproibicionistas
Associação de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade
Rede de Comunidades e Movimentos
Contra a Violência
Coletivo Sobre Elas
Instituto Arueras
Rede Nacional de Mães e Familiares Vítimas de Terrorismo de Estado
GAJOP – Gabinete Assessoria Jurídica
Organizações Populares
Instituto Pernambucano de Estudos Tributários
Processualistas
Odara – Instituto da Mulher Negra
FOPIR – Fórum Permanente pela Igualdade Racial
Comissão de Direito Tributário da OAB/SP
Comissão de Direito Penal da OAB/SP
Comissão de Direito Tributário da OAB/MG
Comissão de Direito Tributário da OAB/CE
Comissão da Mulher Advogada da OAB/CE
Comissão da Mulher Advogada da OAB/DF
Caixa de Assistência dos Advogados do Ceará
Centro Feminista de Estudos e Assessoria
Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional de Pernambuco
Quem quiser conhecer mais: @brasilmetoo e www.metoobrasil.org.br