A falta de critérios de transparência e de parâmetros objetivos de longo prazo na elaboração das emendas de relator ao Orçamento dificulta a fiscalização pelos órgãos de controle e prejudica o planejamento de políticas públicas e toda a população.

A advertência foi feita, nesta quinta-feira (11), em audiência pública na Comissão de Mista de Orçamento (CMO), quando especialistas defenderam a adoção de fundamentos rígidos e o aprimoramento das regras atuais relativas a destinação desses recursos.

As emendas de relator, nos moldes atuais, criadas em 2019, foram mantidas na lei orçamentária atual. Em 2020, as emendas de relator somaram R$ 20,1 bilhões, dos R$ 36,1 bilhões totais em emendas. A alocação desses recursos é definida pelo parlamentar designado pelas lideranças do Congresso Nacional como relator geral da LOA junto aos demais congressistas. A deputada Adriana Ventura (Novo-SP), que propôs a realização do debate,  informou que mais de 40 entidades da sociedade civil já encaminharam à Câmara manifestação em favor da transparência das emendas de relator.

“Precisamos dar transparência, nosso papel é fiscalizar o Orçamento. As emendas individuais são impositivas desde 2015. As de bancada, desde 2019. Temos que discutir as emendas de relator. O relator indica tudo, mas a gente não sabe os critérios utilizados para os valores, temos que discutir as soluções”, destacou Adriana Ventura.

A deputada destacou que todas as sugestões de aprimoramento da legislação, apresentadas pelos participantes do debate, serão compiladas e encaminhadas à CMO.

Incertezas na economia

O diretor da Instituição Fiscal do Senado, Daniel Veloso Couri, disse que a concentração do poder decisório do Orçamento em uma única pessoa, como no caso o relator geral, pode contribuir para o aprofundamento do risco fiscal e para as incertezas na economia.

Ele avaliou que a discussão sobre as emendas passa pela definição das prerrogativas do relator geral, que não estão definidas na Constituição, ao contrário do que ocorre com as emendas individuais e de bancada, mas apenas na Resolução 1/2006, do Congresso, que dispõe sobre a tramitação das matérias orçamentárias.

“As emendas de Comissão têm que ter caráter nacional e pertinência temática e, desse ponto de vista estratégico, acho que são as que melhor atendem ao anseio da Constituição de ter um processo orçamentário. As emendas de Comissão são muito pequenas, mas são justamente elas que podem atender um uso menos paroquial, o que acaba acontecendo com as emendas individuais. No âmbito da Resolução, é preciso discutir ou rediscutir qual a função do relator geral”, disse.

“Instrumento promíscuo”

Fundador e secretário-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castelo Branco, afirmou que também defendeu o aprimoramento das regras atuais em relação as emendas de relator.

“Onde falhamos? O que podemos fazer para aprimorar? Os fatos saltam aos olhos. Nunca tinha visto um instrumento tão promíscuo da relação do Executivo com o Legislativo, como foi a situação das emendas de relator. Sem identificação do parlamentar, torna-se fácil a cooptação de parlamentares que aceitam esse tipo de negociação, que recebem o valor das emendas e depois votam”, destacou.

Castelo Branco destacou que o TCU já havia alertado o governo, em 30 de junho, ao recomendar transparência nessas operações, as quais deveriam constar em sítio eletrônico de domínio público. Ele defendeu a adoção de parâmetros socioeconômicos como uma solução definitiva para a definição das emendas de relator, e lembrou que a própria Lei de Diretrizes Orçamentária de 2020 (Lei 14.116) aponta o rumo “há muito tempo”. O artigo 86 da norma estabelece que “a execução orçamentária e financeira, no exercício de 2021, das transferências voluntárias de recursos da União, cujos créditos orçamentários não identifiquem nominalmente a localidade beneficiada, inclusive aquelas destinadas genericamente a estado, fica condicionada à prévia divulgação em sítio eletrônico, pelo concedente, dos critérios de distribuição dos recursos, considerando os indicadores socioeconômicos da população beneficiada pela política pública.”

“Há consenso pleno da importância e necessidade de termos referenciais e parâmetros que, de certa forma, disciplinem as programações genéricas, como ocorre em alguns países. Por outro lado, há necessidade de alterar a resolução do Congresso. Vejo a necessidade de alterar o artigo 144, que versa sobre os relatores e como eles podem apresentar emendas. Há necessidade de parâmetros. Vai haver solução paliativa agora, mas a questão central é realmente a definição de critérios de longo prazo para que, qualquer que seja o governo de plantão, haja regras claras em benefício do interesse público”, ressaltou.

Distribuição dos recursos

Representante do Tribunal de Contas da União (TCU). Alessandro Caldeira disse que a falta de critério objetivo e transparente impede o tribunal de verificar se a distribuição dos recursos das emendas de relator ocorreu de forma justa e equânime, ao contrário das emendas individuais ao Orçamento, que dispõe de procedimentos padronizados.

Caldeira apontou que a ausência de critérios põe em risco o planejamento dos demais órgãos do governo, além de ressaltar que a elaboração de emendas ao Orçamento é uma prerrogativa inerente à atividade legislativa, legitima e constitucional, que deve ser respeitada no que se refere aos limites impostos pela própria Constituição.

Regras gerais

Consultor do Senado, Aritã Borges Ávila Maia, explicou que as emendas de relator geral somente podem apresentadas para corrigir erros e omissões de ordem técnica e legal, adequando a peça orçamentária a novas normas legais ou recompondo dotações. Acentuou ainda que o Comitê de Admissibilidade de Emendas da CMO tem autonomia para propor a inadmissão as emendas de relator aos projetos de lei orçamentária anual, de diretrizes orçamentárias e do plano plurianual.

“Os pareceres preliminares basicamente são as regras do jogo da tramitação do projeto da LOA. O parecer preliminar estabelece restrições às emendas e é constantemente alterado ao longo dos anos. São poucos os atos normativos que limitam a atuação do relator no processo orçamentário. Quanto menos regras gerais, maior possibilidade de atuação do relator. Não tendo critérios específicos, é natural que deva valer os critérios gerais, já que as emendas de relator existem”, afirmou.

Planejamento

Diretor da Coordenação de Legislação e Normas Orçamentárias da Câmara dos Deputados, Eugenio Greggianin, apontou a necessidade de compatibilizar as transferências discricionárias com as políticas públicas, além do aprimoramento do sistema de planejamento. Ele defendeu, ainda, o mapeamento das necessidades de políticas públicas de cada município, com o desenvolvimento da matriz dos indicadores e implantação gradativa de um banco de projetos com sinalizadores para avaliação das carências locais.

Plano de Metas

O senador Izalci Lucas (PSDB-DF), por sua vez, disse que o Orçamento evoluiu com a criação das emendas impositivas individuais, em que cada parlamentar tem uma parcela para atender aos municípios.

“Qualquer aplicação de recursos deveria ter acompanhamento na execução. Não temos um plano de Estado, temos política de governo. Cada ministério é um governo diferente. Sempre foi assim. Nos estados é a mesma coisa. A gente não sabe aonde quer chegar. O último plano de metas que eu vi foi o de JK. O Brasil arrecada bem, mas nós não temos o instrumento da despesa nacional para acompanhar a execução de tudo. As emendas de relator se devem a uma posição do Executivo. Antes de 2020, as emendas eram mais de ajuste. A solução é mudar a resolução do Congresso Nacional”, destacou.

 

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