Mãe da vereadora e viúva do motorista destacam avanços com delação

Os fatos revelados pela Polícia Federal (PF) e pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), na segunda-feira (24), referentes à delação do ex-policial militar Élcio de Queiroz sobre os assassinatos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, no dia 14 de março de 2018, deixaram a advogada Marinete da Silva, mãe de Marielle, mais confiante na continuidade das investigações e na possibilidade de se desvendar quem ordenou a execução do crime e qual foi o motivo.

“Estou com uma expectativa muito grande. Foi um avanço. E acho que é possível ter mais detalhes, com essa afirmativa de que realmente o Ronnie Lessa foi o executor, com os requintes de crueldade com que o parceiro dele fala. Estamos vivendo um novo momento, e vale muito a pena continuar acreditando, como sempre acreditei. Eu nunca pensei que não poderíamos chegar aos mandantes”, afirmou Marinete, em entrevista à Agência Brasil.

RIO DE JANEIRO (RJ), 24/07/2023 – A advogada Marinete da Silva, mãe de Marielle Franco durante ato que lelembra os 30 anos da Chacina da Candelária, no centro da capital fluminese. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
A advogada Marinete da Silva, mãe da vereadora assassinada Marielle Franco – Tomaz Silva/Agência Brasil

Mesmo considerando que ainda tem muitos detalhes para serem revelados, a advogada disse que a esperança da família na solução do crime é muito grande. “Estou muito ansiosa, com muita esperança, e a família tem feito isso, tenho dado esse voto de confiança e também perseverado muito que vai acontecer, sim. Esse passo foi superimportante, e vale muito a pena ficarmos atentos e mais confiantes.”

“A barbaridade que eles cometeram precisa ter essa reparação toda e nós vamos conseguir saber o porquê e quem mandou matar Marielle e Anderson”, ressaltou.

A viúva de Anderson, Agatha Arnaus Reis, também espera que, finalmente, o crime seja solucionado por completo, respondendo inclusive às perguntas que ainda estão no ar sobre quem encomendou as execuções e o porquê. Ela acredita que com base nas informações contidas na parte da delação mantida em sigilo, a PF e o MP possam aprofundar as investigações para chegar a quem mandou executar o crime e o motivo. “Eu torço para que sim. Eu sei tudo que o Élcio disse tem que ser primeiro confirmado, em todo um trabalho da investigação, mas eu torço que sim. Também não tenho acesso a tudo, mas estou com muita expectativa de que consiga com as informações que ele já deu o MP e a Polícia consiga chegar ao mandante,” disse à Agência Brasil.

Rio de Janeiro (RJ), 14/03/2023 - Agatha Amaus, viúva de Anderson Gomes, durante Missa de 5 anos por Marielle e Anderson, na igreja Nossa Senhora do Parto, centro da cidade. Foto:Tânia Rêgo/Agência Brasil
Agatha Amaus, durante a missa pelos 5 anos da morte de seu marido Anderson e Marielle Franco – Tânia Rêgo/Agência Brasil

A viúva de Anderson, Agatha Arnaus, confessou que já não tinha esperança de haver avanço nas investigações, mas ressaltou que, com a delação de Élcio de Queiroz, surgiram informações novas importantes para o processo. “Se não tivesse havido a delação, a gente não teria mais um caminho a seguir. Vieram informações novas, e já estava tanto tempo parado mesmo, era a sensação que eu tinha. Já não tinha de onde tirar nada, então, acho que veio a luz no fim do túnel”, afirmou.

Segundo Agatha, a descrição do passo a passo do planejamento e da execução do crime apresentado pelo grupo da PF e do MPRJ mostra que a delação foi comprovada. “Só o fato dele [Élcio] se colocar, assumindo que estava dirigindo [o Cobalt prata de onde foram disparados os tiros] e que estava lá é superimportante. A gente não tinha isso no preto no branco. É uma confissão dele. Não sei se a gente conseguiria prova tão contundente quanto essa. Nos últimos tempos, foi a situação mais importante do processo”, enfatizou.

Para Marinete da Silva, a criação de um grupo na Superintendência da Polícia Federal do Rio de Janeiro, que atua em conjunto com o Ministério Público estadual, reforçou as investigações, embora a PF estivesse presente durante todo o processo desde a ocorrência do crime. “A gente sempre caminhou com a Polícia Federal, não intensamente como está agora, com um grupo solo, como está no projeto da Marielle. Já tinha parceria com a Polícia Federal, mas não como está hoje, com um grupo para trabalhar só o processo da minha filha. É diferente, por determinação do ministro [da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino]. É com este olhar diferente do governo que a gente está vivendo, tenho uma expectativa e muita esperança de que a gente chegue, sim, aos mandantes”, afirmou.

Marinete disse que o trabalho já está dando resultado e que vale a pena confiar e acreditar. “A confiança no que está sendo feito é fundamental. Não é fácil. É um processo emblemático, um processo que já tem cinco anos e quatro meses. É claro que muitas provas, e muitas coisas a gente já não recupera, mas o caminho é este. Que alguém fale alguma coisa, e o primeiro passo foi dado. Um dos caras, envolvido totalmente, já falou alguma coisa, e que a gente consiga algo positivo”, acrescentou.

Segundo Agatha, foi a ação mais efetiva da Polícia Federal que provocou os avanços. Ela lembrou que, anteriormente, a PF já havia participado das investigações e disse que não sabe se a motivação de Élcio de Queiroz para prestar as informações foi a presença mais forte desse grupo. “Qualquer esforço, qualquer apoio que a gente tenha na investigação é bem-vindo. O combo deste ano de Polícia Federal, Ministério da Justiça, ministro [Flávio] Dino, foi um combo favorável para que essas coisas rolassem, assim.”

Agatha ressaltou que, se alguém tinha dúvida de que foram eles, não tem mais. O fundamental é exatamente isso. O planejamento, o mentor, teve alguém que financiou, porque não tem outra coisa para a gente achar que alguém tem ódio e cometa alguma coisa daquele tipo, só porque teve raiva ou não gosta. Não tem isso. Então, o mais importante no primeiro passo foi saber que foram eles mesmos”, completou Marinete da Silva.

Anistia Internacional

A diretora executiva da Anistia Internacional no Brasil, Jurema Werneck, durante lançamento da ação
A diretora executiva da Anistia Internacional no Brasil, Jurema Werneck – Tânia Rêgo/Arquivo/Agência Brasil

Para a diretora executiva da Anistia Internacional Brasil, Jurema Werneck, a morte de Marielle deixou muitos legados e outros ainda podem surgir. Um deles é destacar, mais uma vez, o quanto o Brasil é perigoso para gente que luta por justiça, por dignidade e por igualdade. “Marielle era uma ativista desde os 15 anos de idade. Foi morta no centro da cidade, próximo ao Centro de Comando e Controle da Segurança Pública do Rio de Janeiro. Foi morta um mês depois de ter-se iniciado a intervenção no Rio de Janeiro, sob a liderança do general Braga Neto. Ela foi morta em um dos países mais perigosos do mundo. O assassinato dela chamou atenção do mundo para o quanto é perigoso ser ativista no Brasil e também o quanto é perigoso ser uma mulher negra de favela e ser também uma mulher lésbica. Tudo isso junto é iluminado com o assassinato de Marielle”, afirmou Jurema, em entrevista à Agência Brasil.

Na visão de Jurema, o assassinato de Marielle foi uma tentativa de silenciar uma luta por direitos humanos, mas isso os criminosos não conseguiram. “Isso também chama a atenção para o legado dela. Quando ela foi brutalmente assassinada, outras mulheres negras se levantaram e se colocaram como sementes de Marielle. A gente tem nos parlamentos municipais, nos parlamentos estaduais e no parlamento federal, várias mulheres negras, lésbicas, trans, mulheres que assumiram para si a reivindicação e o papel que Marielle não pôde cumprir até o final. Este também é um legado, e é um legado de abrir a cloaca do crime organizado no Rio de Janeiro, a cloaca da omissão do governo do estado, a cloaca da omissão do Ministério Público”, reforçou.

De acordo com a diretora da Anistia Internacional, ficou evidente também a participação de agentes do Estado, como o policial apontado por ter vazado informação a Ronnie Lessa sobre uma operação que seria feita pela polícia, além do ex-bombeiro Maxwell Simões Corrêa, parceiro de Lessa. “Crime organizado é isso. Milícia é isso. Agentes públicos que se organizam para cometimento do crime usando recursos do Estado. Marielle foi assinada, segundo a denúncia do Élcio de Queiroz, por uma submetralhadora pertencente ao Batalhão de Operações Especiais, a chamada tropa de elite do Rio de Janeiro. É tudo muito grave”, acrescentou.

Quanto à violência, infelizmente, nada mudou para os defensores de direitos humanos no Brasil, que continuaram sendo mortos desde a morte de Marielle, destacou a ativista. Jurema lembrou os assassinatos de Paulo Paulino Guajajara, líder da Terra Indígena Araribóia, no Maranhão, em 2019; de Ari Uru-Eu-Wau-Wau, líder indígena de Rondônia, em 2020; do ambientalista José Gomes, o Zé do Lago, sua companheira Márcia Nunes Lisboa e sua enteada Joane Nunes Lisboa, em São Félix do Xingu, no Pará, em 2022, além dos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, no Vale do Javari, no Amazonas, também em 2022.

“Só estou citando casos de repercussão. Todas essas pessoas foram assassinadas depois de Marielle, e o Estado brasileiro não fez nada para proteger a vida delas. Se fez, não foi o suficiente, ou infelizmente nada mudou, mas é preciso que mude. Nós, da Anistia Internacional, vamos continuar mobilizados para que um dia realmente mude”, completou.

Fatos novos

Sobre a divulgação de partes da delação de Élcio de Queiroz, Jurema afirmou que sempre que se aproxima de uma data redonda, surgem fatos novos sobre os assassinatos de Marielle e Anderson. “Para o ponto de vista da Anistia Internacional, o que foi apresentado agora, como antes, não é suficiente. O que eles apresentaram é que Ronnie Lessa, Élcio de Queiroz, Maxwell e Edmilson Macalé estavam envolvidos neste crime. Isso já se sabia antes. Eles apresentaram também a informação de que ela foi morta com armamento pertencente à polícia. Isso já se apontava também, só não se sabia a quem pertencia a arma. Antes se acreditava que era da Polícia Civil, agora, segundo Élcio de Queiroz, indica-se que era da Polícia Militar e, mais do que isso, do Batalhão de Operações Especiais”, afirmou.

Apesar de enfatizar que algumas informações reveladas agora já eram conhecidas, Jurema Werneck disse esperar que surjam novidades no que ainda está sob sigilo. “Eles estão dizendo que foi uma tocaia, um crime preparado com muita antecedência. Acho que, em sã consciência, ninguém imaginou que foi uma decisão de última hora executar um crime tão bem organizado, a gente não sabia quanto tempo levou, mas podia imaginar que a preparação levou um tempo razoável. Também sabíamos que os executores eram pessoas vinculadas às milícias a agentes do estado, policiais, ex-policiais, bombeiros ou ex-bombeiros. Até aí não tem novidade, espero que naquelas informações que permanecem em sigilo, ali sim, tenha alguma informação nova”, concluiu.

Jurema Werneck disse que ainda há perguntas sem respostas. Afirmam que a investigação passa para outro patamar, mas ainda há muitas perguntas sem respostas, observou a ativista, que diz esperar esclarecimentos sobre questões sobre, por exemplo, como uma arma do Bope foi parar na mão de Ronnie Lessa; como a munição da Polícia Federal terminou no corpo de Marielle e de Anderson. “Como é que, depois desse tempo todo, com tantos nomes indicados, alguns deles ainda estão no serviço ativo como servidores do Estado. Por que a Polícia Civil, que é afinal de contas a encarregada desse inquérito originalmente, depois de quatro anos, não apresentou nenhuma novidade, e a Polícia Federal, começando a trabalhar depois da posse do novo superintendente do Rio, já apresentou algumas informações e já se moveu?”, questionou.

A ativista acrescentou que houve denúncias de promotoras do Ministério Público, que atuaram anteriormente nas investigações, sobre interferência indevida no processo. “Que interferência é essa? Até hoje, ninguém disse. Por que o Ministério Público demora tanto e [por que] mudou tanto de mão essa investigação? Por que o Ministério Público permanece sem fazer o controle externo da atividade policial, uma vez que as próprias notícias dizem que há servidores ativos, ainda trabalhando, que são parte dessa engrenagem de produção de morte?”

“Há tantas perguntas sem respostas. Espero que, de fato, seja um novo patamar, mas é preciso que as autoridades apresentem as novidades reais para que possamos saber. A Anistia Internacional, desde o princípio, vem advogando a constituição de uma comissão externa de especialistas, com gente que, olhando para as investigações, possa falar com propriedade se as coisas estão sendo feitas corretamente”, ressaltou.

A diretora da Anistia Internacional lembrou que Marielle completaria 44 anos nesta quinta-feira (27). “Uma data muito triste. Falo com nó na garganta. Fico imaginando a dor das famílias, dos pais, da filha, da irmã, das sobrinhas, da viúva. Fico imaginando a dor da viúva de Anderson também, tendo que rememorar tudo isso. É preciso que essa dor se transforme em soluções. É isso que se espera: soluções, respostas e mudanças. A gente espera que o Rio de Janeiro e o Brasil mudem de fato”, concluiu Jurema.

Respostas

Em resposta à Agência Brasil, que pediu um posicionamento sobre as declarações de Jurema Werneck, a Secretaria de Estado de Polícia Civil (Sepol) informou que continua investigando o caso e trocando informações com os demais órgãos envolvidos nas apurações. “A participação da Polícia Federal agrega força e conhecimento ao trabalho investigativo”, disse a Sepol.

“Vale ressaltar que a delação corroborou o acerto investigativo da Polícia Civil e acrescentou novos e relevantes dados da execução, representando mais um importante passo para se chegar ao mandante e à motivação do crime. A delação apresentada neste momento foi feita por um dos investigados presos pela Polícia Civil”, acrescentou a secretaria.

Já o Ministério Público do Rio de Janeiro destacou sua dedicação ao caso e os avanços obtidos ao longo dos últimos anos após a denúncia dos executores do crime. O MPRJ informou que, em março de 2021, foi criada uma força-tarefa específica para o caso, considerada prioridade pela Procuradoria-Geral de Justiça, com substituições pontuais de promotores, a pedido. “Ao longo daquele ano, a força-tarefa obteve conquistas como: uma nova condenação de Ronnie Lessa e de sua esposa, por lavagem de dinheiro, a partir de provas que demonstravam a incompatibilidade de renda declarada; recorreu para aumentar as penas de Ronnie Lessa e de outros quatro condenados no processo sobre a obstrução das investigações do caso; e obteve acordo judicial com o Facebook para disponibilizar dados para a investigação.”

No final de 2022, o MPRJ obteve, junto ao STJ, decisão que obrigava o Google a fornecer dados sobre quebras de sigilo telemático determinadas pela Justiça, com reiterados pedidos de multa pelo atraso no fornecimento das informações, com apresentação de recursos em instâncias superiores. “Também obteve a condenação de Ronnie Lessa a 13 anos de prisão por comércio ilegal de armas e operações contra organizações criminosas envolvendo milicianos e a cúpula do [jogo do] bicho, que tinham ligações com o acusado.”

De acordo com o Ministério Público, nos últimos dois anos, o trabalho voltado à identificação dos mandantes reuniu provas e contou com diversas diligências, além dos avanços mencionados anteriormente.

“Lembramos que a investigação conta com o acompanhamento das famílias das vítimas, recebidas periodicamente no MPRJ para ciência dos esforços realizados pela instituição para a elucidação do crime. O momento é de construção de uma cooperação que vem se mostrando exitosa para que todos os objetivos das investigações sejam alcançados, não havendo qualquer tipo de interferência no âmbito do Ministério Público”, destacou a instituição.

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