*Por Filipe Senna

Em 2018 foi publicada a Lei Federal nº 13.756, que autorizou a operação de apostas de quota fixa sobre eventos de temática esportiva, popularmente conhecidas como apostas esportivas. Após 4 anos da publicação da lei, há pouco mais de 500 casas de apostas online em operação no Brasil, as quais permitem ao jogador apostar sobre as mais diversas modalidades esportivas em diversas divisões – desde a Champions League da Europa até a Série D do Campeonato Brasileiro.

O crescimento exponencial do mercado de apostas esportivas no Brasil gera uma preocupação popular e de senso comum: as casas de apostas interferem e manipulam resultados das competições esportivas para lucrarem mais sobre os apostadores?

Em resumo, a manipulação de resultados é um acordo entre o interessado e um participante direto do evento esportivo (jogadores, técnicos e árbitros, por exemplo) para se promover uma alteração irregular do resultado ou do desenrolar de uma competição desportiva, com o objetivo de obtenção de vantagens indevidas para o interessado. As manipulações estão necessariamente condicionadas ao comportamento de um participante direto da partida ou do evento, alguém que pode interferir no resultado.

Esse questionamento ganha mais força com as repetidas e mais constantes notícias de resultados e comportamentos atípicos em partidas e campeonatos, assim como resultados improváveis, as famosas “zebras”. A exemplo, estão os casos de goleadas inexplicáveis, erros grotescos que geram mais escanteios ou laterais, cartões amarelos ou vermelhos provocados injustificadamente e intervenções ou omissões questionáveis do árbitro de vídeo.

A preocupação se torna ainda maior com a crescente publicidade de diversas casas de apostas nos campeonatos, na televisão e até em patrocínio direto aos clubes esportivos, de futebol principalmente. Em agosto de 2022, os 20 clubes da Série A do Campeonato Brasileiro são patrocinados por casas ou plataformas de apostas esportivas, de diversas formas.

Embora o senso comum e a opinião popular atribuam às casas e plataformas de apostas o comportamento de manipular ou interferir nos resultados de esportes, esses operadores não têm relação nenhuma com os acontecimentos e muitas vezes são, inclusive, as vítimas das manipulações.

O modelo de operação das casas e plataformas de apostas é organizado de forma que esses faturem majoritariamente com a operação das bets, e não com o erro de prognóstico dos resultados pelo apostador. Comumente, o valor que o apostador perde ao errar o prognóstico de uma aposta é utilizado para pagar os apostadores vencedores, que acertaram o resultado da partida ou de um evento dentro do jogo.

As Odds das apostas (o multiplicador pago ao apostador que acertar o prognóstico apontado) são calculadas a partir de análises estatísticas, de dados dos participantes e de variáveis determinadas, e a elas é incorporado o Juice, que corresponde ao valor destinado à casa de apostas por sua operação, sua principal forma de faturamento.

Esse cálculo é a materialização do prognóstico estatisticamente mais provável de ocorrência, a considerar as condições do jogo, clubes e atletas envolvidos, adotando-se uma profunda análise de dados para cada Odd calculada, a qual muitas vezes é até terceirizada a grandes compiladores e processadores de dados esportivos. Em outras palavras, as Odds tomam como base o resultado estatisticamente mais provável para o evento, e não “zebras” ou manipulações.

Se pensarmos em um viés comercial, e a partir da forma como as casas e plataformas de apostas operam, a manipulação de resultados é um acontecimento muito prejudicial aos operadores.

Primeiro, em um mercado atualmente muito competitivo, os jogadores tendem a procurar plataformas mais confiáveis e honestas, que promovem as apostas com mais lisura e integridade, o que, consequentemente, é um dos principais elementos de fidelização de clientes no mercado brasileiro.

Assim, o envolvimento de uma casa ou plataforma de apostas em manipulações de resultados esportivos pode significar uma sentença de morte ao operador, que perderá toda confiança que adquiriu no mercado. Há uma série de normas e instrumentos no Brasil e no cenário internacional que buscam mitigar a manipulação de resultados, sendo uma situação de fácil ou média constatação. Além desses instrumentos, as manipulações se tornam virais em um cenário de globalização – amplamente divulgados na mídia e redes sociais.

Também, essas plataformas promovem o cálculo das Odds de maneira muito semelhante e matematicamente muito consistente (basta uma simples comparação entre Odds de um mesmo jogo nas plataformas que constantemente aparecem na televisão) – as quais não comportam eventos suspeitos, apenas dados registrados de eventos anteriores e variáveis correlatas à dinâmica de jogo. Se a Odd está muito diferente dos concorrentes, elevam-se as suspeitas de integridade daquela aposta ou daquele operador.

Mas, no geral, um evento suspeito ou uma manipulação não são variáveis esperadas por casas ou plataformas de apostas, pois não são estatisticamente constatáveis ou previsíveis. Um resultado manipulado invalida parcialmente, ou em sua completude, as estatísticas analisadas e as Odd adotada pela operadora e, comumente, gera prejuízos à própria operação, e não só aos apostadores. Proporcionalmente, é como se um candidato colasse em um concurso público – o resultado prejudicará o órgão público e os demais candidatos.

Comumente, o corrompedor na manipulação de resultados é um grande apostador – alguém que tenha poder econômico para intervir no resultado e efetuar uma aposta economicamente relevante, que o faça auferir um valor considerável frente aos riscos penais e administrativos da atividade de corromper um participante. Com isso, a atribuição de culpa às casas ou plataformas de apostas não passa de um mito, que atribui à vítima a culpa de um ilícito que sofreu.

*Filipe Senna é advogado,  especialista em Direito dos Jogos, mestrando em Regulação de Jogos de Fortuna, Sócio de Jantalia Advogados


Fonte: M2 Comunicação Jurídica

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